Não poucas vezes já se falou sobre o
economista Muhammad Yunus, conhecido no mundo todo como “o banqueiro dos
pobres”, e sobre a sua iniciativa foram públicados vários artigos ao longo dos
últimos anos. Obviamente, isso não quer dizer que todo mundo já ouviu falar
dele, ou conhece a sua obra.
Por achar essa matéria bem interessante, útil e
digna de ser relembrada e compartilhada, trago-a hoje para o blog Indagações-Zapytania. As ideias analisadas e debatidas no texto
merecem destaque.
Essa
reportagem foi publicada em julho deste ano (2015) no site do Instituto
Humanitas Unisinos (IHU).
Não
deixe de ler!
WCejnóg
IHU
- Notícias
Segunda, 27 de julho de
2015
Uma nova lógica
O economista Muhammad Yunus é conhecido no mundo todo como “o
banqueiro dos pobres”. Por meio do Grameen Bank, que ele fundou em
1983 em Bangladesh, Yunus espalhou em escala internacional o
conceito do microcrédito: empréstimos feitos, sem garantias ou papéis, a gente pobre
que nunca antes teve acesso ao sistema bancário. Tal fomento ao
empreendedorismo, sobretudo entre mulheres, e seus resultados efetivos lhe
renderam, entre outros prêmios, o Nobel da Paz em 2006. Também
transformaram Yunus em um dos oradores mais requisitados do
planeta, inclusive em eventos lotados de empresários e banqueiros que ele
critica sem censura.
A reportagem é de Micheline
Alves, publicada pelo revista Trip, 21-07-2015.
Reportagem
Há dois meses ele esteve
no Brasil para promover a Yunus Negócios Sociais, braço brasileiro
da Yunus Social Business Global Initiatives, espécie de incubadora
de negócios sociais – como são chamadas empresas criadas para resolver
problemas sociais, e não exatamente gerar lucro para acionistas. Durante a
passagem por São Paulo, ele falou à Trip sobre essa trajetória
e sua crença de que esse tipo de negócio é um modo eficaz de repensar o sistema econômico vigente – do qual critica a
concentração de renda em níveis absurdos e a própria lógica de que as pessoas
precisam passar a vida procurando emprego. “O ser humano não nasceu para isso”,
diz ele, um defensor pioneiro da ideia, tão em voga hoje, de que é melhor
seguir o próprio caminho do que ser um funcionário.
Em Daca, capital e maior
cidade de Bangladesh, Yunus mora com a mulher e a filha mais
nova (a mais velha, que acaba de lhe dar o primeiro neto, vive em Nova York) no
mesmo conjunto de prédios onde está a sede do Grameen Group, com
suas mais de 50 empresas. Em boa parte do tempo, viaja pelo mundo com palestras
e consultorias que lhe dão uma rotina atribulada, da qual diz não se cansar,
mesmo aos 75 anos de idade. “Eu gosto disso. Sem essa rotina eu estaria
terrivelmente entediado. Não sei o que fazer comigo mesmo quando não estou
ocupado.”
A seguir, oito trechos
da conversa que deixam claro que, para Yunus, o que falta ao mundo
é olhar mais para o próximo e trabalhar pela prosperidade coletiva. Uma visão mais amorosa, pode-se dizer.
Um novo capitalismo
“Há 85 pessoas no mundo
que têm mais da metade de toda a riqueza do planeta. Já a metade mais pobre
da população mundial detém menos de 1% desses recursos. Que mundo é esse?
Minha luta tem sido
contra essa estrutura. As pessoas não podem fazer nada além de tocar o barco
como foi concebido. Luto por uma nova máquina, por alternativas, por um
movimento contrário. A estrutura que existe não vai resolver nosso problema. A
disparidade de renda só piora, a riqueza se concentra em pouquíssimas mãos.
Conheço empresa que
ficou cem vezes maior em sete anos, e o número de funcionários só diminui.
Inclusive por causa de tecnologia, eficiência. O que vai acontecer com todas
essas pessoas sem trabalho? Se a Europa,
a parte mais próspera do mundo, vive isso, o que acontece em economias menores?
Temos que redesenhar o sistema capitalista. Tudo o que dizem é ‘faça dinheiro,
seja feliz’. Mas aí você ganha us$ 1 bilhão e não faz nada pelos outros. Para
que serve us$ 1 bilhão? ‘Ah, dei emprego a muita gente.’ Sim, e pegou a riqueza
para você. Concentração é tudo o que você produziu.”
Emprego: esqueça essa
ideia
“Uma questão essencial
está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A
escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso
na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem
que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio
de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer
trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado. As pessoas precisam crescer
sabendo que é uma opção se tornar empregado, mas que existe a possibilidade de
ser empreendedor, seguir o próprio caminho. É arriscado, incerto, há
frustrações, mas é bem mais estimulante. Arrumar emprego é o que é seguro,
garantido. Mas sua vida será limitada ao que decidirem por você.
Teoria versus realidade
“Meu pai era um pequeno
comerciante. Admirava a educação, mas não pôde ir além do oitavo ano na escola.
Minha mãe foi até o quarto ano. Somos sete irmãos e duas irmãs, e todos
decidimos por conta própria o que fazer. Oportunidades surgiram, empregos me
foram oferecidos, e eu não aceitei. O único emprego que tive foi o de professor
– porque eu queria ensinar. Não me empolgou a possibilidade de carreira,
salário, mas o espaço para pensar, criar.
E, quando chegou a hora, comecei
o negócio do microcrédito.
O isolamento da
universidade sempre me irritou. Qual a utilidade do conhecimento se ele não
chega às pessoas? Em Bangladesh, tínhamos pessoas morrendo de fome. Faz sentido
ensinar teorias tão bonitas, das quais somos tão orgulhosos, e elas não terem o
menor significado na vida de quem não pode comer? Há muitas maneiras de morrer,
mas a fome é uma das mais dolorosas. Lidar com teorias econômicas diante de
pessoas morrendo assim era uma piada.”
Contra os bancos
“Fico furioso com
agiotagem. Como um ser humano pode ser tão cruel com outro? Vi situações
dramáticas de pessoas devendo dinheiro. Então comecei a emprestar, para que
parassem de procurar exploradores. Eram quantias mínimas – o primeiro
empréstimo foi de us$ 27. O problema é que meu dinheiro foi acabando. Fui a uma
agência bancária no próprio campus da universidade onde eu lecionava e pedi
ajuda ao gerente. A resposta: ‘Isso é problema seu’. Começou aí meu confronto
com bancos. Ouvi explicações absurdas sobre por que não dar crédito a gente
pobre. Até que entendi: eu deveria ter um banco. Um banco que fizesse um bom
trabalho pelas pessoas.
Foi o que inventei em
1983: o Grameen Bank. Diziam que era um fenômeno local, que só
funcionaria em Bangladesh. Fomos à Malásia, a convite de pessoas de lá, e deu
certo. Disseram: ‘é um fenômeno de países muçulmanos’. Fomos às Filipinas, país
católico. Passaram a dizer: ‘é um fenômeno asiático’. Explicações e mais
explicações vieram, sempre para proteger a ideia de que o sistema continua
certo – e você apenas inventou algo que não vale para o mundo. Em 2006 vem o
prêmio Nobel. Nem assim o sistema muda.”
Desenvolvimento?
“Na crise de 2008, eu estava em Nova York. Vendo as notícias
sobre o colapso, os escândalos, lembrei daquele gerente que procurei e pensei:
quem merece crédito, afinal? Quem está dando calote? Os pobres a quem empresto
dinheiro me devolvem cada centavo. Temos oito agências em Nova York, com 30 mil
clientes, e nenhuma inadimplência. Então, por que continuar teimando? Por que
ensinar na universidade o que é sistema bancário sem se perguntar por que mais
da metade da população do planeta não tem nada a ver com bancos? Construir
rodovias é medida de desenvolvimento? Para mim, não existe desenvolvimento se
pessoas têm uma única muda de roupa. Ou se só fazem uma refeição ao dia.”
Resolvendo problemas
“Em determinada época,
percebi que crianças de muitas famílias não conseguiam enxergar à noite. Vi
isso em diferentes lugares: crianças que não veem nada depois que o sol se põe.
Médicos me disseram: ‘Isso é uma doença chamada cegueira noturna, causada por
falta de vitamina A. Se tomarem comprimidos ou tiverem alimentação rica em
vegetais, voltam a enxergar’. Voltei a algumas famílias e expliquei a importância
de comer vegetais. ‘Ah, não é simples encontrar vegetais’, diziam. Tive a ideia
de vender pequenos pacotes de sementes, a 1 centavo. Gradualmente, foram
comprando e plantando. O Grameen Group passou a ter um negócio
de sementes. Em sete anos, nos tornamos o maior vendedor de
sementes do país. E a cegueira noturna foi erradicada. É essa a ideia do
negócio social."
Isso é negócio, sim
“Muita gente diz que
isso não é um negócio de verdade. Se não tem lucro, não é negócio. De onde vem
essa definição? É negócio, sim. É decisão minha não ter lucro. Se a teoria não
se encaixa no que eu criei, não sou eu quem está errado; é a teoria. O
capitalismo é uma ideia maravilhosa, porque dá opções. O problema está na ideia
de que é preciso maximizar lucros e que só isso é aceitável como negócio. Não
somos robôs fazedores de dinheiro. A vida não pode ser reduzida a uma busca
egoísta como essa. Outra lógica é possível e há empresas interessadas.
O chairman da Danone me procurou dizendo que queria resgatar os
ideais de seu pai – e não apenas tocar uma corporação mais preocupada com o
valor das ações. Nasceu aí um negócio social: um iogurte muito barato, com os
nutrientes de que uma criança precisa diariamente, vendido de porta em porta,
por gente que não tinha trabalho em Bangladesh. A Danone não terá
lucro com isso: apenas recupera o que foi investido e nada mais. Você pode não
morrer de amores por esse modelo – e eu quero discussão, quero ouvir críticas.
Mas não pode simplesmente dizer ‘não funciona’ ou ‘não é real’.”
Novas gerações
“Tenho falado muito, em
diferentes países, a convite de empresários, banqueiros. Então creio que
estejam prestando atenção ao que eu digo. Se me odiassem, me manteriam longe.
Não odeio os banqueiros, as pessoas, apenas digo: ‘Não é possível continuar
agindo assim’. E estão entendendo. Talvez ainda haja uma diferença entre a
imagem pública e o que pensam. Muitos chegam em casa e são criticados pelos
filhos. Porque as novas gerações estão espalhando essas mensagens. Viajo muito,
é uma rotina corrida, mas a energia das pessoas, particularmente as mais
jovens, me renova.
Quando vejo essa gente
respondendo ao que digo, se inspirando, querendo fazer alguma coisa, tudo faz
sentido. Quando estou longe de casa, no Brasil, na Colômbia, no Chile ou na
China, e vejo que as pessoas conhecem o que eu disse, o que eu fiz, esqueço as
horas de sono perdidas, o jetlag. São sementes sendo espalhadas, que um dia vão
germinar. Algumas podem se tornar árvores gigantes. Quem sabe?”
Fonte: IHU – Notícias
_________
Foto: Google
Muhammad Yunus, (Chittagong, 28 /06/ 1940), é um economista e banqueiro bengali. (...)
Em 2006 foi laureado com o Nobel da Paz. É autor do livro Banker to the poor ( O
banqueiro dos pobres). Pretende acabar com a pobreza através do banco que
fundou, do qual é presidente e o governo de Bangladesh é o principal
acionista, o Grameen Bank, que oferece
ativamente microcrédito para milhões de
famílias. Yunus afirma que é impossível ter paz com pobreza.
Muhammad Yunus formou-se em Economia em Bangladesh, doutorou-se nos Estados Unidos e foi professor na Universidade de Dhaka. Em1976, constatou as dificuldades de pessoas carentes em obter
empréstimos na aldeia de Jobra, num Bangladesh empobrecido e recém-separado do Paquistão. Por não poderem dar
garantias, os bancos recusavam-lhes as pequenas quantias que permitiriam
comprar materiais para trabalhar e vender, e os usurários taxavam os
empréstimos com juros altos. Yunus acredita
que todo ser humano possui instintos de sobrevivência e auto-preservação, uma
prova disto são os milhões de pobres que existem no mundo, onde mesmo
miseráveis, conseguem contornar ao máximo sua situação. Sendo assim, a forma
mais efetiva de ajudar estas pessoas é incentivar o que elas já tem, seu
instinto. Quando confere recursos para estas pessoas, por pouco que seja,
consegue melhorar sua condição de vida utilizando-se do seu já senso de
sobrevivência.
Muhammad Yunus criou
então o Banco Grameen, que empresta sem garantias nem papéis, sendo, sobretudo,
procurado por mulheres: elas são 97% dos 6,6 milhões de beneficiários. A taxa
de recuperação é de 98,85%. (...) In: Wikipedia
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