O artigo
Você é envenenado diariamente. Mas o
lobby dos agrotóxicos fala mais alto, do jornalista Leonardo Sakamoto*,
é muito esclarecedor e útil para servir
de alerta para a sociedade brasileira. O assunto é muito sério.
O
autor publicou esse texto no seu blog, no início do mês de outubro (2015), e
também, posteriormente, o texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale
a pena ler, refletir e tirar as necessárias conclusões.
WCejnóg
IHU
- Notícias
Segunda, 05 de outubro
de 2015
Você é envenenado
diariamente.
Mas o lobby dos agrotóxicos fala mais alto
"No Brasil, o lobby
dos agrotóxicos é pesado. Daria um longa-metragem de “ficção'' tão engraçado e
trágico quanto o da indústria do tabaco". O comentário é de Leonardo Sakamoto, jornalista, publicado
no seu blog, 04-10-2015.
Eis o artigo.
“Faltam estudos que
comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente".
“Não há evidências
científicas de que, quando usados apropriadamente, causem efeito à saúde.”
Eu adoro o discurso
usado na defesa do indefensável! Mas tem que ter classe para saber usá-lo,
criar o contexto correto, ter cara-de-pau, parecer acreditar naquilo.
Quem já assistiu ao
filme “Obrigado por fumar”, de Jaison Reitman, com Aaron Eckhart,
que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam
nos Estados Unidos, muitas vezes como “mercadores da morte'', sabe
do que estou falando.
É engraçado ver o
discurso cínico do protagonista do filme e imaginar quantos cidadãos caem nesse
mimimi na vida real. Mas a história fica trágica quando verificamos que os
mesmos discursos são descarregados sobre nós diariamente para justificar
qualquer coisa. Entre elas, a expansão agropecuária irracional no
Brasil.
E a gente, claro, engole
feito um bebê. Perda de empregos, falta de comida, interesses estrangeiros,
ecatombe maia, tudo é usado como desculpa para continuar passando por cima.
Alguém já viu os filmes promocionais de empresas que produzem agrotóxicos? É de chorar de emoção.
A Folha de S.Paulo, desde domingo
(4/10/2015), traz uma reportagem mostrando que “Sem controle, alimentos circulam no
país com agrotóxico irregular''. E que a Agência
Nacional de Vigilância, com base em um grupo de alimentos da cesta básica,
constatou que 31% deles tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido. O
Ministério da Agricultura, em suas análises, considerou as amostras
satisfatórias.
Lembro de outra
reportagem da Folha, de 2011, apontando que havia sido encontrado
agrotóxico em leite materno noMato Grosso: “O leite materno de
mulheres de Lucas do Rio Verde, cidade de 45 mil habitantes na região central
de Mato Grosso, está contaminado por agrotóxicos, revela uma pesquisa da UFMT (Universidade
Federal de Mato Grosso). Foram coletadas amostras de leite de 62 mulheres, 3
delas da zona rural, entre fevereiro e junho de 2010. O município é um dos
principais produtores de grãos do MT. A presença de agrotóxicos foi detectada
em todas''.
Mas destaco o caso por
conta do “outro lado'':
“A Associação Nacional
de Defesa Vegetal, representante dos produtores de agrotóxicos, diz
desconhecer detalhes da pesquisa, mas ressalta que a avaliação de estudos
toxicológicos é complexa. Segundo a entidade, faltam estudos que comprovem
prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente. 'Não há
evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, os defensivos agrícolas causem efeito à
saúde'.”
Já citei essa história
várias vezes aqui, mas vale pelo didatismo. Durante as brigas pelo banimento do
amianto, um advogado que defendia o interesses dos trabalhadores trouxe um
pedaço do produto para ser mostrado em uma audiência judicial com os que
defendiam as empresas. O amianto, acusado de causar danos à saúde dos
trabalhadores, circulou na mesa. Do lado corporativo, que defendia que o
produto era inofensivo como uma bola de gude, ninguém quis tocá-lo.
Poderíamos fazer o mesmo
com os que defendem que “faltam estudos” e “não há dados”. Até como uma forma
de mostrar que acreditam naquilo que defendem. Vamos garantir que os executivos
das empresas, seus lobistas, parlamentares e governantes amigos consumam apenas
alimentos e água dos locais onde os problemas relatados acontecem.
Se faltam dados, não há
risco comprovado, não é mesmo? Bora liderar pelo exemplo!
O Brasil, um
dos líderes em uso de agrotóxicos e pesticidas,
continua sendo mais rápido para aprovar produtos químicos que trazem lucro a
poucos e lento para tirá-los de circulação – quando fica provado que causam
danos a muitos. Ou para controlar a sua presença no meio ambiente e seus
impactos nas populações locais.
(Aliás, cansa a justificativa
surrada de que temos a maior área agricultável do mundo, com clima que
contribui compragas e doenças e, por isso, a montanha de veneno.
Por essa lógica estranha, que ignora a aplicação de leis e regras, seríamos um
dos países com maior número de escravos contemporâneos, dado o
tamanho da agricultura e da economia. O que está longe de ser verdade.)
Muitos agrotóxicos proibidos nos
Estados Unidos, na União Europeia e em alguns de
nossos vizinhos latinos correm soltos – literalmente – contaminando água, terra
e ar por aqui. E, por conseguinte, milhares de pessoas diretamente e milhões
indiretamente.
E não são apenas os
proibidos, um problema. Talvez um pepino maior sejam os permitidos usados sem o
devido cuidado e em quantidade maior que o meio pode suportar. Mesmo quando
a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de
substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos causarão aumento de
custos. Entendo o lado deles, mas aceitar algo que não está de acordo com os
padrões mínimos é uma bomba-relógio que vai explodir em algum momento.
No Brasil, o
lobby dos agrotóxicos é pesado. Daria um longa-metragem de
“ficção'' tão engraçado e trágico quanto o da indústria do tabaco.
O problema seria
encontrar financiador.
Fonte: IHU - Notícias
_______
_______
* Leonardo
Sakamoto
Foto: Google
É jornalista e doutor em
Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em
diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de
Jornalismo na PUC-SP e pesquisador visitante do Departamento de Política da New
School, em Nova York, é diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo
das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão. In: blogdosakamoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário