A fé cristã é um encontro pessoal do homem com Deus, em Jesus Cristo. Ela é uma questão de decisão do ser humano, por isso é íntima de cada um e absolutamente livre. Envolve a razão, a vontade e o sentimento. Ademais, a fé cristã na sua essência é Graça, é obra de Deus. Os esforços do homem dariam em nada, se não fosse Deus.
Para nós, as outras perguntas surgem e servirão para aprofundarmos mais um pouco o tema sobre a fé. Por exemplo: Em que consiste realmente a fé cristã? Sabemos que ela é um encontro com Jesus. Sim. Mas, como se desenvolve esse encontro? Quais são as suas características? Será que nós, cristãos, temos a plena consciência da fé em Jesus Cristo e conhecemos as suas consequências? São perguntas perspicazes, que nos provocam.
A fé em Jesus Cristo é algo muito precioso, que recebemos de Deus como dom, mas será que cuidamos bem dela? São Paulo diz: “Um tal tesouro nós o trazemos em vasos de barro, para que apareça claramente que este extraordinário poder provém de Deus e não de nós.” (2 Cor 4, 7). Nós, da nossa parte, precisamos ter cuidado para não tropeçarmos, não deixarmos cair e quebrar esses “vasos de barro”, e não perdermos o tesouro.
Para refletirmos sobre essas perguntas novamente trago aqui o texto do livro de Ferdinand Krenzer. O autor fala da fé como encontro com Jesus de modo simples, fascinante e esclarecedor. É muito bom e proveitoso para todos nós.
WCejnog
(3)
A fé como encontro com Jesus Cristo
A fé é um acontecimento, que se realiza no encontro. Isso tem sua argumentação na Bíblia. Já no Antigo Testamento, quando se fala da fé, entende-se por ela uma postura do homem em relação a Deus. Deus se revela e dirige o seu convite aos homens. O homem, da sua parte, deve escutar, perguntar, obedecer e agir.
Deus revela-se mais diretamente aos grandes personagens do Antigo Testamento, e manda-lhes transmitir ao povo tudo isso que ouviram d’Ele. As figuras como Noé, Abraão, Moisés, os profetas, são exemplos dessa atitude completa e total do homem, que vive entregue ao chamado de Deus. Não é à toa que São Paulo na Carta aos Romanos chamou o Abraão de “pai da fé”. E na carta aos Hebreus essa grande fila dos que eram testemunhas da fé termina em Jesus: “Corramos com perseverança para o combate que nos cabe, de olhos fitos no autor e consumidor da fé, Jesus.” (Hb 12, 2).
No Novo Testamento a fé consiste no encontro de uma pessoa concreta com Jesus. Aqui a exigência é a mudança de coração (metanóia). Isto quer dizer que o homem deve estar livre do preconceito, aberto para tudo que Jesus exige dele, e deve afastar de si toda a teimosia da razão e da vontade. A pessoa deve mudar de direção, direcionar-se a Jesus, apostar n’Ele totalmente e exclusivamente, e enfim deve incondicionalmente segui-Lo. A confiança que deriva da fé, o ilimitado “SIM” diante de Jesus - significa a salvação para o homem.
Quem uma vez apostou no Jesus, esse começa tudo de novo com Ele, pensa e age saindo sempre da posição de Jesus. Ele está pronto para receber de Jesus toda a informação a respeito do Mistério Divino e do mistério da presença de Deus no homem, porque quem vê Jesus, vê Deus (Jo 12, 45). O ser humano é convidado a acessar a esfera mais profunda da vida, é convidado ao coração de Cristo (1 Cor 2, 16). Uma fé assim em Jesus Cristo não se contenta em louvar à distância, mas exige atitude de imitação. A estabilidade desta fé é atacada pela fé pequena e pela desconfiança. Apesar do escândalo provocado pela sua paixão e cruz, precisa perseverar junto a Jesus e experimentar a sua ressurreição – e isto será o triunfo da eficácia da fé, expressa pela frase do antigo credo: “Jesus Cristo é Senhor” (quer dizer, Deus).
No ato da fé, então, está presente Deus na pessoa de Jesus, que vem ao encontro do homem, como também está presente o homem, que encontra Jesus, e com isso encontra Deus. A fé é “o relacionamento com Deus, que abrange o ser humano inteiro, com todo o seu comportamento e toda a sua vida interna” (A. Weise). O homem capturado por Jesus, o homem “cara a cara com Jesus” (Pascal), o homem, “que tornou-se contemporâneo a Jesus” (Kierkegaard), tem a mesma chance de acreditar, como aquelas pessoas que encontraram Jesus de Nazaré – o Senhor histórico.
No evangelho segundo Mateus (14, 22-33), onde tem relatos sobre Jesus andando sobre o mar, encontramos exemplos que ilustram bem os elementos da fé:
O esforço inútil dos homens da barca na luta contra o vento e as altas ondas representa de modo alegórico a existência humana sem Deus, a permanência em descrença. A apatia surge como fruto da dúvida, e é a marca da resignação, que tem a sua fonte na descrença. Nesta situação aproxima-se uma figura, inicialmente pouco visível e difícil para ser notada, depois cada vez mais nítida. Ela surge e se aproxima da pessoa descrente vindo do meio da escuridão, do “nada” – segundo a definição existencialista.
Imediatamente também tenta-se incluir essa figura que se aproxima dentro dos fenômenos possíveis de serem explicados e facilmente reconhecíveis, pertencentes ao organizado mundo racional: o fantasma. Então é alucinação, efeito da excitada fantasia, na verdade – é nada. Mas essa tentativa de explicação fica interrompida pela voz que chega de frente: “Sou EU”. Essa voz até conclama para ter coragem e livrar-se do medo. Revive a esperança que surgiu no início, que isso seja realidade mesmo e que se pode confiar na figura que se aproxima. Essa esperança torna-se agora maior. Porque se essa voz ressoava e esse alguém que falou andava sobre as águas, então esse alguém demonstrou o maior poder, e por isso agora cresce a possibilidade que esse alguém realmente é poderoso. E agora acontece uma coisa arriscada: “Senhor, se és Tu, manda-me andar sobre as águas até junto de Ti” (Mt 14, 28).
Quando o homem realmente deseja crer, ele se abre para Aquele que está a sua frente. Mas pode fazê-lo somente em resposta ao convidativo “Vem!”. Aqui a Graça já coparticipa. Seu ponto de ancoragem, no entanto, encontra-se no coração do ser humano. E olha... está dando certo! Sob o olhar de Jesus os pés do Pedro permanecem sobre a superfície da água. A distância, que parecia invencível, agora fica cada vez menor.
E de repente, novamente aparece a dúvida e o medo, submerge a consciência da própria fraqueza, a crença que se está sozinho, que houve engano. O vento forte do mundo, do desânimo, da superficialidade, dos argumentos contrários a fé mostram-se mais barulhentos e presentes do que a figura que novamente fica mais distante. Falta ainda da entrega total. O ser humano não gostaria de arriscar, mas ter certeza; gostaria de saber e não - acreditar. Neste momento começa a afundar no mar deste mundo, nas águas dos próprios pensamentos, no abismo da dúvida, andando em volta de si mesmo.
Porém, no último momento, quando sente que está no fim e que já falta fôlego, o homem encontra a única saída possível. Ele recorre ao último ato que ainda pode fazer, isto é, reativar a fé: estende os braços num gesto de oração, gritando “Senhor, salva-me!”. E então esse homem torna-se apenas e unicamente uma pessoa capaz de se entregar e aceitar. Neste momento do seu coração desaparece qualquer orgulho e aí surge o lugar vazio, que somente o Senhor pode ocupar.
A visão de mãos estendidas e abertas para o Senhor é a única que consegue expressar a condição subjetiva da fé. Nessa fase decisiva o Senhor pega as mãos estendidas em oração do homem e o levanta. Aqui o ser humano verdadeiramente e realmente sente que é o próprio Deus que o encontra e abraça. Ouvindo uma silenciosa reclamação do Senhor - “Homem de pouca fé, por que duvidaste!” (Mt 14, 31), o ser humano pronuncia com toda a certeza e clareza: “Verdadeiramente, Tu és Filho de Deus” (Mt 14, 33).
Se o São Marcos, descrevendo o mesmo acontecimento (Mc 6, 52) sublinha que ”suas mentes ainda estavam obcecadas ”, é porque mostra com isso como é necessário para alguém que deseja crer, que ele saia de si mesmo, saia para fora do círculo que está em volta dele, e vá onde Deus está. Só assim pode se entregar plenamente a Deus. Nesse processo participa o homem inteiro, com a razão, vontade e coração. Mas a realização, a certeza e finalização do ato da fé dependem exclusivamente da Graça. Todos os atos do ser humano unem-se na entrega, como a condição inicial para a Graça agir.
Não é difícil, portanto, encontrar no acontecimento bíblico que analisamos acima,todos os elementos de um ato de fé, que possui uma ordem interna.(...)
(KRENZER, F. Taka jest nasza wiara, Paris, Éditions Du Dialogue, 1981, p. 84-87)*
Continua..._______________________
*Obs.:Para embasar as minhas pequenas reflexões (simples, diretas e questionadoras) acerca de perguntas que, suponho, perturbam a todos nós, sirvo-me do livro do Ferdinand Krenzer- “Morgen wird man wieder Glauben” e, usando aqui uma edição desse livro no idioma polonês (Taka jest nasza wiara), faço uma tradução livre (para o português) apontando alguns trechos, muito bem elaborados pelo autor. É um prazer seguir o seu pensamento.
******************
Nenhum comentário:
Postar um comentário