Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

2. Teologia da Libertação. Quem a conhece mesmo, não critica. Por quê?



Embaixo, a segunda parte do depoimento do atual Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Müller, que fala sobre  o tema da Teologia da Libertação. 
A matéria, intitulada ‘Minhas experiências sobre a Teologia da Libertação’, foi publicada em 18 de setembro de 2012 no Adital. Todas as pessoas que procuram a verdade sobre o assunto encontrarão aqui  muitos valiosos esclarecimentos e informações.
Não deixe de ler.
WCejnóg

18.09.12 - Mundo
[Gerhard Müller] ‘Minhas experiências sobre a Teologia da Libertação’
Prefeito da Congregação  para a Doutrina da Fé.
Adital


(2)

Minha participação em cursos teológicos, especialmente nos seminários de Cuzco, Lima e Callao, entre outros, esteve sempre acompanhada de longas semanas de trabalho pastoral nas regiões andinas, especialmente em Lares, na arquidiocese de Cuzco. Ali os rostos adquiriram um nome e converteram-se em amigos pessoais, experiência esta de Comunhão universal no amor a Deus e ao próximo, o que deve ser a essência da Igreja católica. Finalmente, foi para mim uma profunda alegria quando, em 2003, em Lares, na arquidiocese de Cuzco, sendo já bispo, pude administrar o sacramento da Confirmação a jovens cujos pais conhecia já desde há tempo e que eu mesmo havia batizado.

Essa é a razão pela qual eu não falo da Teologia da Libertação de forma abstrata e teórica nem menos ideológica para bajular o grupo eclesial progressista. De igual modo também não temo que isso possa ser interpretado como falta de ortodoxia. A teologia de Gustavo Gutiérrez, independente do ângulo a partir do qual se olha, é ortodoxa porque é ortoprática e nos ensina o adequado agir cristão porque procede da verdadeira fé.

Uma rápida leitura do livro Beber em seu próprio poço² coloca de manifesto que a Teologia da Libertação se fundamenta em uma profunda espiritualidade. Seu substrato é o seguimento de Cristo, o encontro com Deus na oração, a participação na vida dos pobres e dos oprimidos, a disposição para escutar seu grito pela liberdade e pelo esplendor dos filhos de Deus; é participar da sua luta para acabar com a exploração e a opressão, de sua ânsia pelo respeito aos direitos humanos e de sua exigência de participação justa na vida cultural e política na democracia. Trata-se da experiência de que não se é estranho no próprio país, mas que a Igreja e o Estado querem ser abrigos e fiadores da liberdade espiritual e cívica. A meta é o início e o acompanhamento de um processo dinâmico que quer libertar o homem de sua dependência cultural e política.

Do mesmo modo que Gustavo com sua pessoa, seu testemunho espiritual, seu compromisso com os pobres e suas magníficas reflexões deu, na nossa época, um rosto à Teologia da Libertação, assim também nos mostrou de maneira impressionante a pessoa de Bartolomé de las Casas que, no século XVI e ao contrário de seu contemporâneo Colombo, não descobriu um país e tomou posse dele para a Coroa espanhola, mas que descobriu a injusta opressão e a humilhação da população indígena e se propôs a levar aos homens o reino de Deus, no qual já não haverá senhores nem escravos, mas apenas irmãos e irmãs com os mesmos direitos.

Las Casas chegou supostamente às Índias ocidentais, o continente descoberto por Colombo que hoje chamamos de América, de aventureiro e cavaleiro da fortuna. Da perspectiva do descobridor da América tratava-se de territórios que podiam ser tomados como posse para a Coroa da Espanha e cujas riquezas e habitantes estavam privados de todo direito e, portanto, expostos à agressão da vontade ilimitada de enriquecimento. Em um princípio também Las Casasesteve imerso nesse sistema de privação de liberdade e de exploração. Mas, finalmente, reconheceu no rosto dos maltratados o rosto de Jesus Cristo e assim se converteu em intercessor eloquente e defensor dos povos oprimidos em sua pátria, a América. Com isso retornava ao sentido original da missão cristã: Jesus enviou os seus discípulos para pregar a todos os homens o Evangelho da salvação e da libertação. Neste sentido, missão como encontro de pessoa a pessoa em nome de Jesus é estritamente o contrário de uma forma apenas aparentemente religiosa de colonialismo e imperialismo. Não se pode conquistar territórios para Cristo e subjugar os seus habitantes ao domínio de um estado que se diga cristão. A pregação dos enviados em nome de Cristo supõe antes poder adotar livremente a fé. Deste modo, cria-se uma rede universal de discípulos de Cristo que, segundo sua vontade, constituem uma comunidade de irmãs e irmãos e, portanto, a Igreja visível de Deus no mundo. A este processo impulsionado pelo espírito de Pentecostes os homens acrescentam suas raízes e sua identidade cultural e se deixam transformar pelo espírito de Deus para uma identidade comum mais elevada. Deste modo, cresce o conhecimento de que somos filhos de Deus, chamados a uma vida exemplar, destinados à perfeição no futuro divino. E assim a Igreja pode ser em Cristo o sacramento da salvação do mundo e o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano (ver Lumen Gentium 1).

Las Casas nomeia em sua brevíssima relação da destruição das Índias ocidentais a verdadeira causa da tremenda injustiça que os conquistadores espanhóis cometeram contra as pessoas que encontraram em sua viagem de descobrimento.

Sobre aqueles que eram cristãos de nome, mas não por sua conduta, Las Casas disse: "A única e verdadeira causa do assassinato e da destruição dessa espantosa quantidade de pessoas inocentes nas mãos de cristãos era exclusivamente apoderar-se de seu ouro” ³.  Gustavo Gutiérrez formulou este caminho libertador de Las Casas com o seguinte juízo: "Deus ou o ouro”

Este é o caminho rumo à libertação segundo nos ensina Jesus no Evangelho: "Não se pode servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro”, e em outro lugar especifica: "A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (ver Timóteo 6, 10).

Aquele em quem colocamos a nossa confiança, esse realmente é o nosso Deus. Os cristãos do século XXI, mas também os humanistas, se orgulham de ter deixado para trás o colonialismo e o imperialismo eurocentristas. Contudo, na justa indignação diante das atrocidades perpetradas na conquista da América, África e Índia e a humilhação da China, corremos muitas vezes o perigo de acreditar, sentindo-nos moralmente seguros, de que no século XVI nós teríamos estado do lado de Las Casas e contra os exploradores. Evidentemente, as circunstâncias históricas de então não são sem mais comparáveis com as do mundo globalizado atual. Não obstante, a alternativa fundamental entre a opção pelo dinheiro e o poder, de um lado, e Deus e o amor, do outro, se apresenta hoje também a cada pessoa em particular e tanto a todas as comunidades e sociedades como a Estados e Alianças. Também hoje, continentes inteiros, como a África e a América do Sul, são marginalizados. Uma pequena parte da população mundial reparte entre si os recursos contribuindo deste modo para a morte prematura de milhões de crianças e para que a maior parte da população do mundo viva em circunstâncias desastrosas.

Continua...
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Notas:
²     GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. Itinerário espiritual de um povo. São Paulo: Loyola, 2000.
³    Em português, encontra-se no livro LAS CASAS, Frei Bartolomeu de. Liberdade e Justiça para os Povos da América — Oito Tratados Impressos em Sevilha em 1552. São Paulo: Paulus, 2010.
    GUTIÉRREZ, Gustavo. Deus ou o ouro nas Índias. Século XVI. São Paulo: Paulinas, 1993.
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Gerhard Ludwig Müller (nasc. 31 de Dezembro de 1947) é arcebispo  Católico e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, nomeado pelo Papa Bento XVI, 02 de Julho de 2012).


 

 

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