Para falar mais da Teologia da Libertação (TL)
trago para o blog Indagações a
entrevista com Guillermo Kreber, filósofo e teólogo uruguaio. A matéria foi
publicada recentemente no site do
INSTITUTU HUMANITAS UNISINOS (IHU) ¹ (
em outubro de 2012).
Muito interessante. Não deixe de ler.
WCejnog
Entrevistas
Sábado, 13 de outubro de 2012
A teologia incompreendida. Entrevista especial com Guillermo Kerber
“A Teologia da Libertação preocupa-se com o que significa ser cristão frente a uma realidade social”, afirma o teólogo.
A falta de diálogo entre a Teologia da Libertação
e a Igreja institucional deriva, na avaliação do teólogo Guillermo Kerber, de
uma “acusação a essa teologia por utilizar o instrumental marxista” para
interpretar a realidade. “O que falta à perspectiva que o Vaticano, através de
seus decretos, tem da Teologia da Libertação é reconhecer a profunda
espiritualidade que está na sua base, e o compromisso que ela tem com os
pobres, que representa um retorno à fonte bíblica no sentido de reconhecer qual
foi a mensagem de Jesus, o messias, em sua época”, disse o teólogo à
IHU On-Line na entrevista a seguir, concedida pessoalmente durante o
Congresso Continental de Teologia (que ocorreu em outubro de 2012 na Unisinos).
Em sua avaliação, Kerber diz que a Teologia da Libertação
avançou nos últimos 40 anos e que “acompanhou as mudanças que ocorreram no
continente”, agregando à sua teologia a preocupação com os indígenas, as
mulheres e as populações vulneráveis. O teólogo acrescenta ainda que a crise
global tem “ajudado a repensar a teologia, a repensar o que significa o ser humano
no mundo, e a dar sentido à luta das populações indígenas, dos sem terra, que
estão lutando para fazer valer seus direitos como seres humanos”.
Filósofo e teólogo uruguaio, Guillermo Kerber
(foto acima) é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de
São Paulo – Umesp. Atualmente reside em Genebra, onde trabalha como diretor dos
programas de Mudanças Climáticas e de Assuntos Internacionais, Paz e Segurança
Humana do Conselho Mundial das Igrejas. No Uruguai, Kerber foi professor
de Ética na Universidade da República e na Universidade Católica, além de ter
trabalhado em ONGs vinculadas ao desenvolvimento, à ecologia, ao ecumenismo e
aos direitos humanos. É autor de O
ecológico e a teologia latino-americana (Ed. Sulina, 2006) e
contribuiu na edição da revista do Conselho Mundial de Igrejas, The Ecumenical
Review, de julho de 2010, sobre mudanças climáticas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais os reflexos da
Teologia da Libertação na América Latina após 40 anos da publicação do livro de
Gustavo Gutiérrez? Qual é o sentido de ter uma teologia com uma perspectiva
latino-americana?
Guillermo Kerber – Nesses 40 anos tem havido um desenvolvimento da Teologia da Libertação, o qual acompanhou as mudanças que ocorreram no continente. Vou citar alguns exemplos. Na década de 1970, quando iniciou a Teologia da Libertação com Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, entre outros, o tema dos indígenas não era fundamental e, quando se falava dos pobres, não se levava em consideração, por exemplo, os indígenas. O tema da mulher também não estava fortemente presente na reflexão teológica da libertação, da mesma forma que as questões ambientais. Quer dizer, surgiram vários temas com o passar do tempo.
Ao longo desses 40 anos, a Teologia da
Libertação, a partir do método teológico da realidade, fez uma análise em
diálogo com as demais ciências para entender a realidade. A Teologia da
Libertação tem mantido, junto com este método, sua preocupação com os pobres,
pelas comunidades mais vulneráveis.
América Latina
A Teologia da Libertação (TL) é uma teologia para a América Latina, porque o continente tem uma realidade própria, embora possamos discutir até que ponto se pode falar de uma realidade ou de uma unidade latino-americana, já que as sub-regiões são diferentes. De qualquer modo, há um espírito e uma construção que, por um lado, propõem uma reflexão da realidade e oferecem uma teologia de acordo com essa realidade, que tem transcendido fronteiras. Podemos observar como a Teologia da Libertação, que tem sua gênese na América Latina, deu origem a outras teologias da libertação, por exemplo, tratando de incorporar essa metodologia teológica de análise da realidade, e esta relação direta entre reflexão e ação.
IHU On-Line – Como a Teologia da
Libertação dialoga com o Vaticano? Por que a Igreja não aceita a Teologia
latino-americana?
Guillermo Kerber – Quase não há
diálogo. Os decretos da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé
não compreendem a Teologia da Libertação. Há uma acusação à
Teologia da Libertação por utilizar o instrumental marxista. Mas a Teologia da
Libertação utiliza o marxismo francês, que distingue entre materialismo
histórico e materialismo dialético, e que utiliza como instrumento de
interpretação da realidade social alguns elementos marxistas. Mas o que falta à
perspectiva que o Vaticano, através de seus decretos, tem da Teologia da
Libertação é reconhecer a profunda espiritualidade que está na sua base e o
compromisso que ela tem com os pobres, que representa um retorno à fonte
bíblica no sentido de reconhecer qual foi a mensagem de Jesus, o messias, em
sua época. Esses elementos escapam às análises do Vaticano, devido a uma
ortodoxia doutrinal que, paradoxalmente, não tem uma afirmação tão heterodoxa
por parte da teologia. A preocupação tradicional do Vaticano é com a moral
individual e sexual, enquanto a Teologia da Libertação preocupa-se com o que significa
ser cristão frente a uma realidade social. Então, trata-se de duas
epistemologias diferentes, e há uma dificuldade de compreensão por parte do
Vaticano de entender o que é a Teologia da Libertação. Digo isso porque a
maioria dos teólogos da libertação, sobretudo os primeiros, se formou na Europa
e, portanto, conhece o que significa a teologia europeia, mas foram capazes de
responder teologicamente à realidade do continente.
IHU On-Line – Que contribuições e respostas a teologia pode dar à discussão acerca da sustentabilidade, da crise econômica e dos problemas sociais que o mundo enfrenta?
Guillermo Kerber – Frente a
essas múltiplas crises, as quais estão inter-relacionadas, e no que se refere à
América Latina, temos de refletir sobre o que significa o desmatamento da
Amazônia, o aumento dos furacões na América Central e Caribe por causa das
mudanças climáticas. Quer dizer, temos que ver como essa crise está afetando a
região e como, embora a crise internacional não tenha atingido diretamente o
continente, a diferença entre pobres e ricos nos países se mantém. Então, a
teologia tem uma contribuição crítica diante dessas questões no sentido de
reconhecer que a crise representa problemas econômicos, ecológicos, sociais,
culturais e espirituais. Nesse sentido, há um empenho em repensar o que
significa a teologia. Tradicionalmente o discurso dominante, de ver o ser
humano a partir da teologia cristã, coloca o ser humano como alguém acima da
criação, dominando-a. Refiro-me ao relato de Gêneses, onde Deus diz ao ser
humano: “Domine a terra”.
Mas a crise ecológica tem dado relevância a outro
apontamento de Deus, que diz ao homem: “Cuidar do jardim de Deus”. Então, quer
dizer, as crises têm ajudado a repensar a teologia, a repensar o que significa
o ser humano no mundo e a dar sentido à luta das populações indígenas, dos
sem-terra, que estão lutando para fazer valer seus direitos como seres humanos.
Assim, a teologia pode dar sentido e uma espiritualidade que acompanhe estas
reivindicações, e a resiliência dessas comunidades mais pobres e vulneráveis,
que não é somente uma resiliência no sentido de luta e de capacidade de
adaptação, mas capacidade de celebrar a festa e a alegria, que muitas vezes não
se percebe em sociedades muito mais desenvolvidas, com mais possibilidades,
como são a europeia ou a estadunidense.
IHU On-Line – Como vê o protagonismo da
Igreja nas discussões urgentes deste século, seja ambiental, econômica, social?
Guillermo Kerber – A pergunta
prévia é: “O que entendemos por Igreja?”. Às vezes entendemos por Igreja a
declaração que a conferência episcopal faz em relação a – por exemplo, no
Uruguai – recente lei do aborto, ou à declaração da CNBB, que tem uma
declaração sobre a Amazônia. O que está sendo reafirmado nesse Congresso é que
a Igreja somos todos, e temos de retomar essa ideia. Independentemente do local
que estamos ocupando, seja individual ou comunitariamente, podemos ser uma voz
atuante.
O protagonismo da Igreja na sociedade tem de
considerar, por um lado, a Igreja como Mater et Magistra e,
por outro, colaborar no sentido de inspirar e criticar muitas vezes situações
que são incompatíveis com a mensagem de Jesus. Na América Latina em particular,
a Igreja institucional e hierárquica tem mantido relações muito estreitas com o
poder, as quais a têm impedido de ter uma voz mais livre e crítica frente a
situações de injustiças sociais, econômicas e de destruição do meio ambiente,
ou seja, temas sobre os quais poderia ter tido uma voz muito mais clara.
IHU On-Line – Quais são as demandas mais urgentes
quando se fala em temas como justiça, direitos humanos e migrações? Por que há
tanta intolerância diante dessas questões, especialmente no que se refere às
migrações?
Guillermo Kerber – A Teologia
da Libertação fala em ver-julgar-agir, mas como isso se aplica aos
migrantes? Falo de migrantes num sentido amplo, não só de migrantes
internacionais, mas dos migrantes que vêm do interior para as cidades. Temos
visto que há um estigma desse imigrante e uma dificuldade de aceitação e, em
muitos casos, xenofobia, racismo etc. Há, sobretudo, uma atitude negativa do
Estado e da sociedade frente ao migrante, que o exclui, marginaliza.
Essa perspectiva negativa impede reconhecer a
diversidade e a riqueza cultural, de costumes, de ideias que trazem aos
migrantes às comunidades que se integram. Então, o desafio é criar uma
comunidade inclusiva. A partir da compreensão da situação dos migrantes, vemos
que há aí uma negação de seus direitos cidadãos básicos, como educação,
trabalho, saúde etc. Essa é, portanto, uma questão de justiça e injustiça. E se
queremos construir uma sociedade mais justa, temos de levar em conta essas
questões.
Temos de pensar como se vê o estrangeiro na Bíblia, e como no Antigo Testamento há um cuidado particular de Deus pelo estrangeiro, pela viúva, pelo órfão, que são os pobres da época. Essa mensagem também aparece no Novo Testamento, quando Jesus aprende com uma mulher estrangeira a repensar sua função de messias. Temos de tentar entender como o estrangeiro não é somente um receptor da revelação, da missão, mas um ator nesse processo, que tem de mudar também a Igreja frente à sociedade e ao Estado.
IHU On-Line – Pode nos falar um pouco sobre trabalho que desenvolve no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra? Quais são os temas mais urgentes em relação à questão ambiental?
Temos de pensar como se vê o estrangeiro na Bíblia, e como no Antigo Testamento há um cuidado particular de Deus pelo estrangeiro, pela viúva, pelo órfão, que são os pobres da época. Essa mensagem também aparece no Novo Testamento, quando Jesus aprende com uma mulher estrangeira a repensar sua função de messias. Temos de tentar entender como o estrangeiro não é somente um receptor da revelação, da missão, mas um ator nesse processo, que tem de mudar também a Igreja frente à sociedade e ao Estado.
IHU On-Line – Pode nos falar um pouco sobre trabalho que desenvolve no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra? Quais são os temas mais urgentes em relação à questão ambiental?
Guillermo Kerber – O programa
que coordeno no Conselho Mundial de Igrejas – CMI se chama
“Cuidado da Criação e Justiça Climática”. Esse é um trabalho que começou nos
anos 1980, no marco do que se denomina “A criação e apoio de comunidades
sustentáveis”. No que se refere à sustentabilidade, referimo-nos tanto à
questão econômica como à dimensão ecológica. Por isso falamos de justiça
econômica e justiça ecológica, compreendendo que, frente à crise econômica e
ambiental, é possível elaborar diferentes interpretações. Mas da perspectiva
das Igrejas, temos de ter uma compreensão ética, porque vemos que os pobres e
mais vulneráveis são os que estão sofrendo as consequências das mudanças
climáticas. Então, o trabalho consiste, por um lado, em fortalecer o que a
Igreja está fazendo pelo mundo em relação a essas questões, especialmente em
algumas regiões como a África, sudeste asiático, onde as igrejas também se
encontram em situação minoritária. Lamentavelmente temos visto, nas últimas
conferências do clima, que a comunidade internacional não está a altura de
responder aos desafios das necessidades vitais das pessoas.
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¹ O Instituto Humanitas Unisinos
– IHU é um órgão transdisciplinar da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
Unisinos, em São Leopoldo, RS, que visa a apontar novas questões e buscar
respostas para os grandes desafios de nossa época, a partir da visão do
humanismo social cristão, participando, ativa e ousadamente, do debate cultural
em que se configura a sociedade do futuro.
Fundado em setembro de 2001, por ocasião do
Simpósio Internacional O Ensino Social da Igreja e a Globalização, o IHU
desenvolve sua reflexão e ação a partir de cinco grandes eixos orientadores:
• Ética• Trabalho
• Sociedade Sustentável
• Mulheres: sujeito sociocultural
• Teologia Pública.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/514416-a-teologia-incompreendida-entrevista-especial-com-guillermo-kerber
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