Mais uma excelente matéria sobre a situação atual dentro da
Igreja Católica foi publicada ontem por Leonardo Boff no seu blog. Pode
ser de grande ajuda para quem procura entender melhor o que realmente está ocorrendo dentro da
Igreja Católica e quer
saber da real importância da eleição do papa que sucederá a Bento XVI.
Para ajudar na divulgação dessa matéria, trago-a para o blog
Indagações.
Não deixe de ler.
WCejnog
Leonardo
Boff¹
12/02/2013
Não me proponho apresentar um
balanço do pontificado de Bento XVI que acaba de renunciar, coisa que foi feito
com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante
conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de
cada Papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no
mundo?
Antecipando dizemos que uma
concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o
Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de
uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo
é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se
constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se
o risco da espiritualização e do idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo,
incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber
articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui
uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.
Como viver esta tensão dentro do
mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes,
conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.
O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas
as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam
graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é
a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade
em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e
temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser
testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo
jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a
qual não há salvação.
Os cristãos deste modelo, desde
Papas até simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única.
Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos
tudo. O diálogo é para facilitar a conversão.
O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece
também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo
ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o
Espírito está sempre presente na história e nas pessoas de bem; Ele chega
antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e
compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação,
pois os tirou de seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos libertos.
A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana
e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais.
Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos
todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana
rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.
O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, Ásia e
América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e
dominação de milhares de povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo
do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de
que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI
que negou o título de “Igreja” às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente;
atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e
secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como
fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza,
cercada de inimigos por todos os lados dos quais temos que nos defender.
O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II e de Medellin e de Puebla na América
Latina. Viam o cristianismo não um depósito, sistema fechado com o risco de
ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem
ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado
mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência
do sonho de Jesus.
O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e
desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um
lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do
Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.
O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma
Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de
liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão.
Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se
meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a
espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de
transparência no Banco do Vaticano).
Devemos discernir com
inteligência o que atualmente melhor serve a mensagem cristã no contexto
de uma crise social e ecológica de gravíssimas consequências. O problema
central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa
civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando
forças com todos.
______
¹ Leonardo
Boff é autor de Igreja: carisma e poder, livro ajuizado pelo então
Cardeal Joseph Ratzinger.
Nenhum comentário:
Postar um comentário