Embaixo, um bom artigo para ser lido
com atenção. Pode ajudar muito a quem gostaria de entender melhor o contexto da
renúncia do papa Bento XVI e as possíveis causas dessa decisão. Não há dúvida
de que as crises, na maioria das vezes, servem para sair da letargia, perceber os erros, corrigir
o caminho, consertar o estrago, e – no caso da Igreja - confiar mais em Jesus, seu fundador, do que
nos palpites e interesses de muitos de seus prelados e hierarcas, que –
assim parece – apostaram mais nas coisas deste mundo, afastando-se do espírito
do Evangelho de Jesus.
Todos nós, cristãos católicos - que somos a Igreja Povo de Deus, esperamos que assim aconteça também agora. Quer dizer, esperamos confiantes que a crise abra as portas para uma renovação tão esperada, e que esta seja conforme a vontade de Jesus.
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Segunda, 18 de fevereiro de 2013
Rasgar os corações para reinventar a Igreja
"Coloca-se
agora em evidência a necessidade de uma reinvenção da igreja, de um novo tônus
espiritual que ilumine a instituição e seus fiéis para fazer frente à crise
atual da cristandade", escreve Faustino Teixeira, professor do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora –
UFJF, em artigo publicado no Boletim
REDE – Rede de Cristãos, 15/02/2013.
Eis
o artigo.
Em
sua primeira missa depois da renúncia, na cerimônia de quarta feira de cinzas, Bento XVI serve-se
da leitura do profeta Joel
para sinalizar a presença de difíceis conflitos e divisões na
vida da igreja católica romana. O profeta diz: “Rasgai os vossos corações e não
as vossas roupas” (Jl 2,13). Diz o papa: “Mesmo nos nossos dias, muitos
estão prontos para rasgar-se as vestes diante de escândalos e injustiças,
naturalmente cometidas por outros, mas poucos parecem disponíveis para agir
sobre seu próprio coração”. Tudo indica que entre as razões de sua
renúncia não esteja apenas as referidas razões de saúde, mas também o
esgotamento provocado pelas “lutas de poder internas” que contaminam a cúria
romana.
Em
editorial do jornal italiano Corriere
della Sera (13/02/2013), seu diretor, Ferrucio de Bortoli
trata do anúncio da renúncia de Bento
XVI. O título é forte: “Uma frágil grandeza”. Aborda o delicado
tema do “tormento interior” que também contribuiu para a decisão de Bento XVI. Teólogo
de relevo, mas de gabinete, o papa Ratzinger
não estava preparado para lidar com as querelas cotidianas da
cúria romana e das espinhosas questões da vida da igreja. O autor sugere que
nos últimos tempos, o sentimento de solidão deve ter sido “devastador” para
ele. Foi se sentindo cada vez mais só...
Em
clássica obra sobre o pontificado do papa Ratzinger, Marco Politi
sublinha que o papa “experimenta o fracasso de decisões que imaginava
profícuas, dá-se conta da ineficiência de quem na cúria deveria sustentá-lo e
assiste impotente à uma revolta que se propaga nos meios de comunicação. Coisa
ainda mais amarga: é obrigado a abrir os olhos para a rachadura radical do
mundo católico com respeito à sua linha”. Encorajado pela insensibilidade
de uma cúria mais voltada para os “jogos de poder” e pelas “lutas fratricidas”,
acabou firmando sua decisão de renunciar ao cargo.
As
resistências da cúria foram crescendo na medida em que o papa assumiu para si a
responsabilidade de questionar certos abusos em curso na igreja, sobretudo no
âmbito da pedofilia. Num dos documentos mais contundentes de seu pontificado, a
carta aos católicos da Irlanda, em março de 2009, resolve denunciar “o grito
dos inocentes” e reconhecer os graves pecados da igreja nesse campo dos abusos
sexuais. Expressa com vigor, em nome da igreja, sua “vergonha e remorso”. É a
primeira vez que um papa reconhece coletivamente a culpa da instituição
eclesiástica pelos abusos cometidos ao longos dos anos por seus membros. Bento XVI rompe
também com outro “muro de silêncio” ao ordenar uma investigação mais séria
sobre o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel Degollado, acusado de
abusos sexuais reincidentes contra seminaristas. Tudo isso irritou
segmentos conservadores da cúria, que preferiam manter o tradicional silêncio a
respeito.
Mas
como diz com acerto Marco
Politi, em artigo publicado no dia 14/02/2013 no Il Fatto Quotidiano,
a solidão em que o papa se viu envolvido, tem a ver com os colaboradores que
ele próprio escolheu ao longo de sua atuação no Vaticano e a carência de
eficiência nas estratégias de realização de seu projeto. Como diz o adágio
espanhol: “Cria cuervos que ellos te sacarán los ojos”. Essa é a verdade. O que
acabou ocorrendo em âmbito mundial, foi uma crescente desafeição dos fiéis e da
opinião pública com respeito à instituição igreja e também ao seu líder, como
também mostrou Politi em seu ousado artigo.
Trata-se
de um pontificado turbulento, dizem os analistas, pontuado por muitas
indefinições e gafes: envolvendo posicionamentos negativos sobre os gays e os
preservativos, sobre o celibato eclesial, a atuação das mulheres, de impasses
na relação com o islã, titubeios ecumênicos, concessões aos lefebvrianos,
infeliz reedição da oração de sexta feira santa que tanto desagradou segmentos
do judaísmo e posicionamentos críticos contra o pensamento teológico mais
aberto. Politi sublinha
que a obsessiva repetição dos “princípios não negociáveis” provocou, na
verdade, “um cisma subterrâneo, silencioso mas profundo, no âmbito do Povo de
Deus”.
A
renúncia do papa foi talvez sua “única grande reforma”, como salientou Politi. Não foi um
gesto qualquer, mas um ato de governo de grande alcance, um profundo ato de
“magistério spiritual”. Daí ter provocado novamente a irritação da ala
conservadora da igreja. Um ato que guarda consigo um significado preciso, de
“dessacralização” de um cargo, de visualização de seu limitado alcance. Como
pontuou Ernesto Galli
em editorial do jornal Corriere
della Sera (13/02/2013), o gesto de Bento XVI coloca em
discussão “o modo de ser da estrutura central do governo da igreja”, abrindo
também espaço para sinalizar os limites da própria instituição, os costumes
arraigados e os sombrios jogos de poder.
Com
a renúncia abrem-se novas possibilidades de mudança no campo eclesial, como
mostrou John L. Allen
Jr, em artigo publicado na Folha de São Paulo (14/02/2013). Ela pode, “na
realidade, abrir espaço para um conclave mais inclinado a colocar a igreja num
rumo diferente”, e ele indica três razões: a quebra de normalidade, com a
possibilidade de surpresas no âmbito de uma tradição tão conservadora; o
indício de que “a igreja precisa de um reinício”; e a realização de um conclave
“livre do efeito funeral”, favorecendo um espaço de mais liberdade para
decisões novidadeiras.
Coloca-se
agora em evidência a necessidade de uma reinvenção da igreja, de um novo tônus
espiritual que ilumine a instituição e seus fiéis para fazer frente à crise
atual da cristandade. Trata-se de um aceno importante para o conclave que se
anuncia. A necessidade da presença de um pastor autêntico para guiar a
comunidade dos cristãos, de alguém que saiba comunicar, antes de tudo, vida e
esperança, mais que simples conhecimento teológico. Que saiba erguer sua voz
ativa e profética contra as dores do mundo e mostrar a dignidade de todos, sobretudo
dos mais excluídos e espoliados. O novo pontífice deve ser alguém, como mostrou
com acerto Juan Arias,
“capaz de entender que o mundo está mudando rapidamente e que de nada serve à
igreja continuar levantando muros para impedir que lhe cheguem os gritos de
mudança que provêm de grande parte da própria cristandade”.
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