O mês de janeiro está
terminando e logo começará o ano letivo (no Brasil o ano escolar começa em fevereiro e termina em dezembro). Como todos os anos, novamente veremos na
nossa cidade dezenas e dezenas de calouros – rapazes e moças, jovens estudantes
que conseguiram ingressar para a Universidade Federal, ou para outras
Instituições de Ensino Superior – vagando pelas ruas, praças e galerias pedindo
moedas, ostentando um visual horroroso de nojentos e humilhados, mas
supostamente felizes...
Sabe-se que existem muitas
opiniões a respeito do trote universitário: existem pessoas que apoiam, pessoas
que não gostam, mas toleram, outras não sabem opinar, e há também aquelas que
se colocam radicalmente contra esse costume e principalmente contra as práticas
(muitas vezes violentas) que derivam dele.
Eu, particularmente, sempre
considerei o trote universitário um verdadeiro absurdo. Acho que esse costume
não se justifica com absolutamente nada. É idiotice pura! Não combina com a inteligência do ser humano.
Deveria ser categoricamente proibido em todas as Instituições de Ensino
Superior e em qualquer outro lugar
público. Essa é a minha opinião.
E para abordar a questão dos
trotes universitários no Brasil com mais clareza e muita competência, trago
hoje para o blog Indagações-Zapytania uma análise bem concreta e esclarecedora,
do sociólogo Antônio Almeida. As suas observações e conclusões denunciam não só alguns casos concretos de trotes violentos, mas servem para questionar profundamente a própria existência e a falta de sentido desses costumes e rituais imbecís.
A matéria foi publicada na RBA (Rede Brasil Atual) em novembro de 2014, e também, postriormente, no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
(As fotografias foram coletadas da Internet).
Realmente, vale a pena ler e refletir
sobre essa questão!
WCejnóg
IHU - NOTÍCIAS
Sexta, 21 de novembro de 2014
Professor da USP diz que
violência em festas de universidades ocorrem 'sistematicamente'
Para o
sociólogo Antônio
Almeida, a cultura de trotes violentos em universidades
colabora para uma 'formação social muito distorcida'. Ele destaca importância
de denúncia feita por estudantes na Assembleia Legislativa de SP.
A
reportagem é publicada por Rede
Brasil Atual - RBA,
20-11-2014.
A
reportagem
A
denúncia coletiva de estudantes vítimas de estupro e violência sofridos em
festas na Faculdade de Medicina da USP feita na Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa de São Paulo, na semana passada, foi muito importante,
considerando a dificuldade de se tornarem públicas ocorrências desse tipo. A
análise é do sociólogo Antônio Almeida.
Para ele,
o caso não é um incidente isolado, um excesso ou uma fatalidade. "Fatos
desse tipo ocorrem sistematicamente dentro do ambiente universitário",
afirmou Almeida,
acrescentando que trotes violentos ocorrem de forma sistemática não só na
Medicina da USP, como na Geociências da mesma universidade, na Escola Superior
de Agricultura Luis de Queiroz (Esalq
USP), na Faculdade de Medicina de Sorocaba e em escolas
militares, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
“É um grupo que consegue de alguma forma interferir no rumo da
instituição. Às vezes até controlando a diretoria, ou outras comissões
importantes, tentando estabelecer a pauta dessa instituição. E pra obter esse
controle da instituição esse grupo não tem o menor escrúpulo em usar
violência", revelou o professor em entrevista à Rádio Brasil Atual.
"Em alguns casos a gente poderia até falar que são quadrilhas
mesmo, organizadas, e que deveriam ser tratadas dessa forma pela lei. Tem
situações que quem de fato comanda o grupo trotista são professores,
dirigentes, diretores, reitores, às vezes pessoas do mercado de trabalho,
ex-alunos”, completou.
O professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq screveu
três livros sobre trote, Universidade, preconceito e trote; Trote na Esalq; e Anatomia do Trote Universitário; além do
projeto de pós-doutorado Trote Universitário e a Mídia. Ele explica que o grupo
trotista tem uma disciplina rígida. No primeiro ano, o aluno que recebe o trote
tem de se calar. Se não ficar em silêncio é expulso do grupo.
“Esse
silêncio é o mesmo das organizações mafiosas, que depois vai acobertar todas as
práticas ilegais, indecentes, criminosas até desses grupos. Esse aluno que está
lá no pedágio é um soldado raso de uma hierarquia que tem general. Às vezes,
esse general é um docente da universidade, um diretor, o ministro da
Agricultura ou o ministro da Saúde.”
Há muito dinheiro envolvido nos trotes e festas. A universidade, de
alguma forma, acaba patrocinando esses grupos, informa Almeida, que é professor
da Esalq.
Eles recebem apoio institucional na forma de verba, de participação e comissões
em coisas que na verdade não deveriam participar.
“Eu acho muito grave. É uma das
coisas mais graves na educação brasileira. As pessoas querem afirmar que o trote é uma brincadeira, uma forma de
recepção, que o trote integra as pessoas na universidade. Isso é uma mentira.
O trote divide os alunos do campus, causa muitas perdas, alunos que deixam a
universidade ou que ficam com ferimentos pro resto da vida, ou pior ainda, que
ficam dentro dessa mentalidade superpreconceituosa do trote.”
A cultura
de violência dos grupos trotistas é baseada na impunidade. É a cultura do abuso. "São
práticas cotidianas consideradas normais", avalia o professor. “Teve um
caso aqui na Esalq em que uma menina foi estuprada por
oito rapazes. Depois de ter sido estuprada ela recebeu o apelido de 'pizza',
porque 'dá pra oito'."
Segundo o sociólogo, não são todos, mas muitos que provocam a violência
nos trotes e festas são de classes mais abastadas, praticam atos violentos como
forma de exercício de poder. No primeiro
ano, o aluno recebe o trote, no segundo, é obrigado a dar o trote, se não der é
desligado do grupo. “É um treinamento na opressão,
é um currículo oculto na formação de opressores. O trote é um núcleo de uma formação social muito distorcida que está
instalado dentro da universidade, e a universidade precisa coibir isso, educar,
desmontar esse tipo de comportamento e não estimular.”
Almeida também
cita como exemplo o caso da Esalq,
que trabalha com questões ambientais e agrícolas. “O Brasil é o país que mais
consome agrotóxicos no mundo. E em uma das principais escolas de agricultura do
país, a agroecologia e as preocupações ambientais não são colocadas no
currículo. O que está em jogo aí é a concepção de agricultura, de medicina, de
psicologia, de engenharia. A gente está lutando pra ter uma sociedade mais
igualitária, mais justa, mais transparente, mais democrática, e a universidade
tem que dar a sua contribuição", concluiu.
A USP vai
apresentar na quarta-feira (26/nov/14) relatório sobre os casos. A informação é
do professor de clínica médica geral Mílton
de Arruda Martins, que preside uma comissão que averigua as
denúncias de estudantes. “A nossa comissão fez um relatório que vai ser
encaminhado à congregação da faculdade, que é o órgão máximo. A ideia é que a
faculdade vai reconhecer a existência de todos os problemas, não vamos esconder
nada”, disse o professor ontem (19/nov/14), após ser ouvido no Ministério
Público Estadual. A reunião da congregação da faculdade será fechada. No
entanto, segundo professor, os dados apresentados serão divulgados.