Mais
um artigo muito bom e esclarecedor, que ajuda bastante (a quem estiver interessado, evidentemente) a entender melhor a natureza e a intensidade dos atentados
terroristas que ultimamente ocorreram em Paris, na França.
Acredito
que é muito importante poder analisar esses acontecimentos e a toda a situação
atual sob diversos ângulos, para conhecer a verdade.
O artigo, de
Tariq Ali *, que trago para o blog Indagações-Zapytania, foi publicado
recentemente na Folha de S. Paulo /On-Line.
Não deixe de
ler!
Folha
de S.Paulo
Um
jornal a serviço do Brasil
Domingo,
11 de janeiro de 2015.
Guerra entre fundamentalismos
Tariq ALI
Sacralizar um jornal satírico que dirige ataques a vítimas da
islamofobia é quase tão tolo quanto justificar os atos de terror contra a
publicação
Foi um acontecimento terrível. Foi repudiado em
muitas partes do mundo e de maneira mais veemente por cartunistas de países
árabes e de outros lugares. Os arquitetos dessa atrocidade escolheram seus
alvos com bastante cuidado. Eles sabiam muito bem que tal ato criaria o maior
dos horrores.
Foi a qualidade, não a quantidade que eles
procuravam. Eles não dão a mínima para o mundo dos incrédulos. Como Kirilov em
"Os Demônios", romance de Dostoiévski, eles pensam que "se Deus
não existisse, tudo seria permitido".
Ao contrário dos inquisidores medievais da
Sorbonne, eles não têm a autoridade legal e teológica para assediar livreiros
ou donos de gráficas, proibir livros ou torturar escritores, de modo que se
sentem livres para dar um passo além.
E os soldados de infantaria? As circunstâncias que
atraem homens e mulheres jovens para esses grupos não são escolhidas por eles,
mas pelo mundo ocidental no qual vivem - ele próprio é resultado de longos anos
de domínio colonial.
Os terroristas que realizaram o massacre no semanário
satírico "Charlie Hebdo", em Paris, na quarta-feira (7), gritavam
"Deus é grande". Não faço
ideia se eles acreditavam que tinham sido acolhidos por Deus ou que estavam a
mando dele, mas o que sabemos é que os dois irmãos parisienses --Chérif e Said
Kouachi-- eram maconheiros cabeludos que viram imagens da Guerra do Iraque, em
2003, e, em particular, das torturas na prisão de Abu Ghraib e dos assassinatos
a sangue frio de iraquianos em Fallujah.
Esses rapazes buscaram conforto na mesquita. Foram
recrutados por radicais islâmicos que viram na "guerra ao terror" do
Ocidente uma oportunidade de ouro para recrutar jovens tanto no mundo muçulmano
como nos guetos da Europa e da América do Norte.
Enviados primeiro ao Iraque para matar americanos
e, mais recentemente, à Síria (com a conivência do Estado francês?) a fim de
derrubar Bashar al-Assad, eles foram ensinados a utilizar armamentos de forma
eficaz. De volta à Europa, colocaram em prática os seus conhecimentos. Eram
perseguidos e o semanário representava seus perseguidores. Deixar o horror nos
cegar para essa realidade seria miopia.
O "Charlie Hebdo" nunca escondeu o fato
de que continuaria provocando os muçulmanos com blasfêmias ao profeta. A maior
parte dos muçulmanos estava com raiva, mas ignorou os insultos.
Para a publicação, era uma defesa dos valores
seculares republicanos contra todas as religiões. O semanário atacava
ocasionalmente o catolicismo, dificilmente --ou nunca-- o fazia contra o
judaísmo, mas concentrou sua ira sobre o islã.
A secularidade francesa de hoje significa,
essencialmente, qualquer coisa que não é islâmica. Defender o direito de
publicar o que quiserem, independentemente das consequências, é uma coisa, mas
sacralizar um jornal satírico que dirige ataques regulares àqueles que já são
vítimas de uma islamofobia desenfreada nos EUA e na Europa é quase tão tolo
quanto justificar os atos de terror contra a publicação.
A França tem leis para restringir liberdades se há
alguma suspeita de que elas possam causar agitação social ou violência. Até
agora elas têm sido usadas para proibir apenas as aparições públicas do
comediante francês Dieudonne por causa de piadas antissemitas e proibir
manifestações pró-palestinos.
Mas isso não é visto como algo problemático por uma
maioria de franceses que chia bem alto. Também não houve vigílias pela Europa
quando se soube há alguns meses que foi utilizada tortura contra prisioneiros
muçulmanos entregues à CIA por países europeus.
Há um pouco mais que sátira em jogo. O que estamos
testemunhando é um conflito entre fundamentalismos rivais, cada um mascarado
por diferentes ideologias.
A economia política da Europa está confusa e, na
ausência de uma alternativa real ao capitalismo (não apenas ao neoliberalismo),
o vácuo político vai crescer e novas forças emergem na luta pelo poder.
A extrema direita está em ascensão na França.
Marine Le Pen está na vanguarda, liderando as pesquisas para a próxima eleição
presidencial, sempre relacionando os recentes acontecimentos à imigração
desenfreada e dizendo que ela sempre havia alertado para isso.
Que pena que o filme de Gilli Pontecorvo "A
Batalha de Argel" (1966) ainda tenha que ser visto em Marselha. Algumas
liberdades são claramente mais preciosa que outras.
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* TARIQ ALI, 71,
escritor paquistanês, é autor de "O Poder das Barricadas" (Boitempo),
dos romances que formam a coleção Quinteto Islâmico (Record), entre outros
livros. É membro do conselho editorial da revista britânica "New Left
Review"
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opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate
dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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