Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania uma interessante entrevista que o Papa
Francisco concedeu na Itália, em outubro do ano passado (2014).
Para
quem estiver interessado em conhecer melhor o pensamento do Papa Francisco e
saber o que ele realmente pensa sobre a questão dos pobres no mundo
contemporâneo, confrontando-a com as palavras e práticas contidas no Evangelho;
como vê o sistema social e econômico que domina hoje o mundo; o que pensa sobre
a cultura do descarte e a globalização em alguns seus aspectos – aqui pode
encontrar uma boa leitura.
A matéria foi publicada no início
deste ano (2015) no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!
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IHU - Notícias
Segunda, 12 de janeiro de 2015
''Cuidar de quem é pobre não é comunismo, é Evangelho.'' - Entrevista com o Papa Francisco.
Antecipamos aqui um trecho de Papa Francesco. Questa economia uccide [Papa Francisco. Esta economia mata], o livro sobre o magistério social do Bergoglio escrito por Andrea Tornielli, coordenador do sítio Vatican Insider, e Giacomo Galeazzi, vaticanista do jornal La Stampa.
O livro reúne
e analisa os discursos, os documentos e as intervenções de Francisco sobre
pobreza, imigração, justiça social, proteção da criação. E confronta
especialistas em economia, finanças e doutrina social da Igreja – entre eles o
professor Stefano Zamagni e o
banqueiro Ettore Gotti Tedeschi –, relatando também as reações que certos
posicionamentos do papa despertaram. O livro conclui com uma entrevista que Francisco concedeu
aos autores no início de outubro de 2014.
O trecho
foi publicado no jornal La
Stampa, 11-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis
a entrevista.
"Marxista",
"comunista" e "pauperista": as palavras de Francisco
sobre a pobreza e sobre a
justiça social, os seus frequentes apelos à atenção em relação aos
necessitados, lhe atraíram críticas e até mesmo acusações, às vezes expressadas
com dureza e sarcasmo. Como o Papa
Bergoglio vive
tudo isso? Por que o tema da pobreza esteve tão presente no seu magistério?
Santidade,
o capitalismo, como o estamos vivendo nas últimas décadas, é, na sua opinião,
um sistema de algum modo irreversível?
Eu não
saberia como responder a essa pergunta. Reconheço que a globalização ajudou
muitas pessoas a se levantarem da pobreza, mas condenou tantas outras a morrer
de fome. É verdade que, em termos absolutos, cresceu a riqueza mundial, mas
também aumentaram as desigualdades e surgiram novas pobrezas. O que eu noto é
que esse sistema se mantém com aquela cultura
do descarte da qual já falei várias vezes. Há uma política, uma sociologia
e também uma atitude do descarte. Quando no centro do sistema não está mais o
homem, mas o dinheiro, quando o dinheiro se torna um ídolo, os homens e as
mulheres são reduzidos a simples instrumentos de um sistema social e econômico
caracterizado, melhor, dominado por profundos desequilíbrios. E assim se
"descarta" aquilo que não serve para essa lógica: é aquela atitude
que descarta as crianças e os idosos, e que agora também afeta os jovens.
Impressionou-me
saber que, nos países desenvolvidos, há tantos milhões de pessoas com menos de
25 anos que não têm trabalho. Eu os chamei de jovens "nem-nem", porque não estudam nem
trabalham: não estudam porque não têm possibilidade para fazê-lo, não trabalham
porque falta o trabalho. Mas eu também gostaria de lembrar daquela cultura do
descarte que leva a rejeitar as crianças também com o aborto. Chamam-me a
atenção as taxas de natalidade tão baixas aqui na Itália: assim, perde-se o vínculo com o futuro.
Assim
como a cultura do descarte leva à eutanásia escondida dos idosos, que são
abandonados, em vez de serem considerados como a nossa memória. O vínculo com o
nosso passado é um recurso de sabedoria para o presente. Às vezes eu me
pergunto: qual será o próximo descarte? Devemos parar no tempo. Paremos, por
favor! E então, para tentar responder à pergunta, eu diria: não consideremos
esse estado das coisas como irreversível, não nos resignemos. Busquemos construir uma sociedade e uma
economia em que o homem e o seu bem, e não o dinheiro, estejam no centro.
Uma
mudança, uma maior atenção à justiça social pode ocorrer graças a mais ética na
economia ou é justo supor também mudanças estruturais no sistema?
Acima de
tudo, é bom lembrar que há a necessidade de ética na economia e há necessidade
de ética também na política. Várias vezes, vários chefes de Estado e líderes
políticos que eu pude encontrar depois da minha eleição a bispo de Roma me
falaram sobre isso. Eles disseram: vocês, líderes religiosos, devem nos ajudar,
dar-nos indicações éticas. Sim, o pastor pode fazer os seus apelos, mas estou
convencido de que é preciso, como recordava Bento XVI na encíclica Caritas in veritate, de
homens e mulheres com os braços levantados para Deus para rezar a Ele,
conscientes de que o amor e a partilha dos quais deriva o autêntico
desenvolvimento não são um produto das nossas mãos, mas um dom a se pedir.
E, ao
mesmo tempo, estou convencido de que é preciso que esses homens e essas
mulheres se comprometam, em todos os níveis, na sociedade, na política, nas
instituições e na economia, pondo no
centro o bem comum. Não podemos mais esperar para resolver as causas
estruturais da pobreza, para curar as nossas sociedades de uma doença que só
pode levar a novas crises. Os mercados e a especulação financeira não podem
gozar de uma autonomia absoluta. Sem uma solução aos problemas dos pobres não
resolveremos os problemas do mundo. São necessários programas, mecanismos e processos
orientados a uma melhor distribuição dos recursos, à criação de trabalho, à
promoção integral de quem está excluído.
Por
que as palavras fortes e proféticas de Pio XI na encíclica Quadragesimo anno contra o imperialismo internacional do dinheiro hoje soam para
muitos – também católicos – como exageradas e radicais?
Pio
XI parece
exagerado para aqueles que se sentem afetados pelas suas palavras, feridos na
carne pelas suas proféticas denúncias. Mas o papa não era exagerado, tinha dito
a verdade depois da crise econômico-financeira de 1929 e, como bom alpinista,
via as coisas como estavam, sabia olhar longe. Temo que os exagerados, ao
contrário, são aqueles que ainda hoje se sentem chamados em causa pelas
críticas de Pio
XI...
Ainda
continuam válidas as páginas da Populorum progressio nas quais se diz que a propriedade privada não é um direito
absoluto, mas está subordinada ao bem comum, e aquelas do Catecismo de São Pio
X que elenca entre os pecados que clamam por vingança diante de Deus a opressão
dos pobres e a defraudação da justa retribuição aos operários?
Não são
apenas afirmações ainda válidas, mas, quanto mais o tempo passa, mais eu acho
que são comprovadas pela experiência.
Chamaram
a atenção muitas das suas palavras sobre os pobres como "carne de
Cristo". Perturba-lhe a acusação de "pauperismo"?
Antes que Francisco de Assis chegasse, havia os
"pauperistas". Na Idade
Média, houve muitas correntes pauperistas. O pauperismo é uma
caricatura do Evangelho e da própria pobreza. Em vez disso, São Francisco nos
ajudou a descobrir o laço profundo entre a pobreza e o caminho evangélico. Jesus afirma
que não se pode servir a dois senhores, Deus e a riqueza. É pauperismo? Jesus
nos diz qual é o "protocolo" com base no qual seremos julgados: é
aquele que lemos no capítulo
25 do Evangelho de Mateus: tive fome, tive sede, estive
preso, estava doente, estava nu, e vocês me ajudaram, vestiram, visitaram,
cuidaram de mim. Cada vez que fazemos isso a um nosso irmão, o fazemos a Jesus.
Cuidar do
nosso próximo: de quem é pobre, de quem sofre no corpo, no espírito, de quem
está em necessidade. Essa é a pedra de toque. É pauperismo? Não, é Evangelho. A
pobreza afasta da idolatria, do sentir-se autossuficiente. Zaqueu,
depois de ter cruzado o olhar misericordioso de Jesus, doou a metade dos seus bens aos pobres. A
mensagem do Evangelho é uma mensagem dirigida a todos. O Evangelho não condena
os ricos, mas a idolatria da riqueza, aquela idolatria que torna insensível ao
grito do pobre. Jesus disse que, antes de oferecer a nossa oferta ao altar,
devemos nos reconciliar com o nosso irmão para estar em paz com ele. Acredito
que podemos, por analogia, estender esse pedido também ao nosso estar em paz
com esses irmãos pobres.
O
senhor ressaltou a continuidade com a tradição da Igreja nessa atenção aos
pobres. Pode dar alguns exemplos a esse respeito?
Um mês
antes de abrir o Concílio
Ecumênico Vaticano II, o Papa
João XXIII disse:
"A Igreja se apresenta como é e quer ser, como a Igreja de todos, e
particularmente a Igreja dos pobres". Nos anos posteriores, a opção
preferencial pelos pobres entrou nos documentos do magistério. Alguns poderiam
pensar em uma novidade, enquanto, em vez disso, se trata de uma atenção que tem
a sua origem no Evangelho e está documentada já nos primeiros séculos do
cristianismo.
Se eu
repetisse alguns trechos das homilias dos primeiros Padres da Igreja, do
segundo ou terceiro século, sobre como se deve tratar os pobres, haveria alguns
que acusariam que a minha homilia é marxista. "Não é dos teus bens que tu
doas ao pobre; tu só lhe devolves o que lhe pertence. Porque é àquilo que é
dado em comum para o uso de todos que tu te apegas. A terra é dada a todos, e
não somente aos ricos". São palavras de Santo
Ambrósio, que serviram para que o Papa Paulo VI afirmasse,
na Populorum
progressio, que a propriedade privada não constitui para
alguns um direito incondicional e absoluto, e que ninguém está autorizado a
reservar para o seu uso exclusivo aquilo que supera a sua necessidade, quando
aos outros falta o necessário. São
João Crisóstomo afirmava:
"Não compartilhar os próprios bens com os pobres significa roubá-los e
privá-los da vida. Os bens que possuímos não são nossos, mas deles". (...)
Como se
pode ver, essa atenção aos pobres está no Evangelho e está na tradição da
Igreja, não é uma invenção do comunismo e não devemos ideologizá-la, como
algumas vezes aconteceu no curso da história.
Quando a
Igreja convida a vencer aquela que eu chamei de "globalização da
indiferença", ela está longe de qualquer interesse político e de qualquer
ideologia: movida unicamente pelas palavras de Jesus, ela quer dar a sua contribuição para a
construção de um mundo onde se proteja um ao outro e se cuide um do outro.
Fonte:
IHU - Notícias
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