“Não há, hoje, mais atores políticos no
Brasil. Os principais foram testados e falharam, e é desonestidade intelectual
acreditar que uma simples troca de presidente mudará algo. Por isso, o poder
instituinte precisa se apresentar diretamente, com o mínimo de
representação possível. Ao apresentar-se enquanto tal, o poder
instituinte pode impulsionar um processo de constituição de novos
atores e novas formas.” – do texto abaixo.
Achei
muito interessante e oportuno o artigo Deixe
os mortos enterrarem seus mortos,
do prof. Vladimir Safatle, que foi
publicado neste mês (agosto de 2015) na Folha de São Paulo e também, posteriormente,
no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Assim como eu,
provavelmente muitas outras pessoas estão indignadas com a situação econômica e
a crise política que hoje assola o nosso Brasil. Gostaríamos muito de ver este país próspero, justo e feliz para todos os seus cidadãos. E o que se vê? É a corrupção que não tem fim, o egoismo e a incompetência dos homens que deveriam cuidar do bem comum, desemprego muito grande, os impostos altíssimos, falta de investimentos na área
de saúde, de educação e de segurança pública... O sistema carcerário, que clama
por uma reforma profunda... A necessidade
de uma verdadeira reforma agrária, etc. etc.
As perguntas são
inevitáveis: O que pensar sobre isso tudo? Até quando vai ser assim? Será que
tem que ser assim? Existe realmente alguma saída dessa crise? Existe,
porventura, alguma outra alternativa?
O
artigo abaixo pode nos ajudar a analisarmos essas questões.
Vale a pena ler!
WCejnóg
IHU
- Notícias
Sexta, 07 de agosto de
2015
Deixe os mortos enterrarem
seus mortos
"Em um contexto de
crise dessa natureza (e, antes de ser econômica, a crise brasileira é política,
é a marca do fim de uma era política) a única solução realmente possível é
caminhar ao que poderíamos chamar de "grau zero da representação",
afirma Vladimir Safatle, professor de Filosofia, em artigo
publicado no jornal Folha de S. Paulo, 07-08-2015.
Segundo ele, "não
há, hoje, mais atores políticos no Brasil. Os principais foram testados e
falharam, e é desonestidade intelectual acreditar que uma simples troca de
presidente mudará algo. Por isso, o poder instituinteprecisa se
apresentar diretamente, com o mínimo de representação possível. Ao
apresentar-se enquanto tal, o poder instituinte pode impulsionar um processo de
constituição de novos atores e novas formas".
Eis o artigo.
A Nova República acabou.
Qualquer análise honesta da situação brasileira atual deveria partir dessa
constatação. O modelo de redemocratização brasileiro, que perdurou 30 anos, baseava-se
em um certo equilíbrio produzido pelo imobilismo.
Desde o momento em
que FHC se sentou com ACM e o PFL para
estabelecer a "governabilidade", a sorte da Nova República estava
selada. Frentes heteróclitas de partidos deveriam ser montadas acomodando
antigos trânsfugas da ditadura e políticos vindos da oposição em um grande
pacto movido por barganhas fisiológicas, loteamento de cargos e violência
social brutal.
O resultado foi um
sistema de freios que transformou os dois maiores grupos oposicionistas à
ditadura (o PT e o núcleo mais consistente do PMDB,
a saber, o que deu no PSDB) em gestores da inércia. Com uma
"governabilidade" como essa, as promessas de mudanças só poderiam
gerar resultados bem menores do que as expectativas produzidas.
Mas a Nova
República tinha também um certo princípio de contenção por
visibilidade. No auge da era FHC, José Arthur Giannotti cunhou
a expressão "zona cinzenta de amoralidade" para falar do que
ele entendia ser um espaço necessário de indeterminação das regras no interior
da dita democracia com sua "gestão de recursos escassos".
Essa zona de
amoralidade, mesmo tacitamente aceita, deveria saber respeitar uma certa
"linha de tolerância", pressuposta na opinião pública. Havia coisas
que não poderiam aparecer, sob pena de insuflar a indignação nacional.
Giannotti acreditava
falar da essência da democracia, mas estava, na verdade, a fornecer
involuntariamente o modo de funcionamento das misérias da Nova
República: um acordo fundado sobre uma zona cinzenta de amoralidade
resultante de disfunções estruturais e democratização limitada.
Mesmo isso, no entanto,
é coisa do passado. O primeiro sintoma do fim da Nova República é
a pura e simples gangsterização da política e a brutalização das relações
sociais. Não há mais "linha de tolerância" a respeitar, pois não é
mais necessário um "pacto pelo imobilismo".
Pacto pressupõe
negociação entre atores que têm força e querem coisas distintas. Mas todos os
principais atores políticos da Nova República já estão neutralizados
em seu risco de mudança. Os que não querem a mesma coisa não têm mais como
transformar seu desejo em ação.
Assim, como não há mais
linha de tolerância a respeitar, o outrora impensável pode ser mostrado, desde
que sirva para desestabilizar o governo de plantão.
Por exemplo, foi como um
sindicato de gângsteres que o Congresso Nacional e seu presidente agiram na
semana passada ao convocar, para uma CPI de fantasia, a advogada de defesa de
denunciantes da Operação Lava Jato, a fim de intimidá-la.
De toda forma, só uma
política gangsterizada pode aceitar que o presidente da Câmara seja um
indiciado a usar seu cargo para, pura e simplesmente, intimidar a Justiça, como
se estivesse na Chicago dos anos 1930.
Dilma acreditava
ainda estar na Nova República ao rifar seu governo para
economistas liberais. Seu cálculo era: "Se eu garantir que não haverá
nenhuma mudança drástica de rota, serei preservada no governo". Esse
raciocínio, no entanto, não serve mais.
Como é, atualmente,
indiferente saber quem está no governo, pois todos sabem que nenhuma mudança
drástica de rota virá, a rifa de Dilma não garantirá sua
sobrevida.
Em um contexto de crise
dessa natureza (e, antes de ser econômica, a crise brasileira é política, é a
marca do fim de uma era política) a única solução realmente possível é caminhar
ao que poderíamos chamar de "grau zero da representação".
Não há, hoje, mais
atores políticos no Brasil. Os principais foram testados e falharam, e é
desonestidade intelectual acreditar que uma simples troca de presidente mudará
algo. Por isso, o poder instituinte precisa se apresentar
diretamente, com o mínimo de representação possível. Ao apresentar-se enquanto
tal, o poder instituinte pode impulsionar um processo de
constituição de novos atores e novas formas.
O parlamentarismo tem a
possibilidade de convocação de eleições em situações de crise. O
presidencialismo brasileiro precisaria de tal flexibilidade para, no caso,
convocar eleições gerais, tendo em vista, entre outros objetivos, a dissolução
deste Congresso e a convocação de uma assembleia constituinte capaz de refundar
a institucionalidade política nacional.
Assembleia para a qual
poderiam se apresentar candidatos independentes, fora de partidos políticos,
com controle estrito do poder econômico. A saída da crise não se dará por meio
de conchavos de bastidores, mas pela radicalização da democracia. Como já se
disse antes, há horas que você precisa deixar os mortos enterrarem seus mortos
e seguir outro caminho.
Fonte: IHU - Notícias
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