A entrevista que hoje trago para o blog
Indagações-Zapytania é muito esclarecedora e útil. O entrevistado, o economista
francês François Morin, fala do assunto de forma clara e direta, podendo
até espantar a quem nunca antes parou para pensar sobre a força e o papel dos
bancos no mundo de hoje!
Eu acho que aqui, no Brasil, não é diferente. Estamos vivendo numa sociedade
que se tornou escrava e totalmente dominada por essa ‘hidra globalizada”, da
qual fala o entrevistado. Quando o povo mergulha nas dificuldades econômicas absurdas, causadas pela inflação, recessão, desemprego e política de "juros astronômicos" praticados por bancos - esses mesmos bancos estão obtendo neste mesmo tempo os maiores lucros... A custo de quem? A quem isso interessa? Como chamar esse tipo de domínio? ...
A materia foi publicada no início deste mês (agosto
de 2015) por Página/12 (Argentina),
e posteriormente, também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Realmente, vale a pena ler com atenção todo o
texto!
WCejnóg
IHU - Notícias
Terça, 04 de agosto de
2015
“O oligopólio bancário age
como uma quadrilha organizada”. Entrevista com François Morin.
Os bancos “sistêmicos”
desempenham um papel nefasto nas sociedades do mundo, ao mesmo tempo que
transformaram a democracia em refém dos seus interesses privados. Pela primeira
vez, transformou-se o equilíbrio de poder entre o público e o privado.
O mundo, a política, as
democracias e as finanças são dominadas por uma hidra mundial composta por 28 grandes bancos internacionais,
cujas políticas fixam o curso não apenas das finanças, mas também das
democracias parlamentares. Este é o argumento implacável e rigorosamente
demonstrado pelo economista francês François Morin (foto) no
livro-pesquisa que acaba de publicar na França: L'hydre mondiale:
L'oligopole bancaire (A hidra mundial. O oligopólio bancário, Lux Editeur).
Fonte: http://bit.ly/1UjuFmY
Professor emérito de
ciências econômicas na Universidade de Toulouse, François
Morin foi membro do conselho geral do Banco da França e
do Conselho de Análise Econômica. “A hidra mundial” é um
conglomerado de 28 bancos coordenados entre si – “interconectados” – que
administra o mercado de câmbio, as taxas de juros, cria os produtos tóxicos
pagos depois pelos Estados, ou seja, pelos cidadãos, influencia nas políticas
econômicas e modela as democracias à sua vontade.
O livro de François
Morin – também autor de Um mundo sem Wall Street? –
revela dados bancários inéditos sobre o poder desta hidra globalizada, cujo
poder, pela primeira vez na história, transformou o equilíbrio de poder entre o
público e o privado. Manobras fraudulentas, pactos secretos, lobby contra
a democracia, manipulação dos mercados, estes bancos “sistêmicos” desempenham
um papel nefasto nas sociedades do mundo, ao mesmo tempo que transformaram a
democracia em refém dos seus interesses privados.
Basta um dado para medir
seus braços: estes 28 bancos detêm recursos superiores aos da dívida pública de
200 Estados do mundo. As pesquisas realizadas em 2012 demonstraram, em parte,
os meandros de suas manobras secretas. François Morin completa
a pesquisa com um livro de uma grande solidez analítica onde os dados, expostos
sem o crivo da ideologia, fluem como um oráculo do que virá. Hoje, os Estados
são diminuídos, perderam sua soberania monetária e têm diante de si um gigante
hiper vigoroso. Atualmente, 90% da moeda é criada pelos bancos, contra apenas
10% pelos bancos centrais.
Pois bem, esse
oligopólio manipula como lhe convém os dois parâmetros fundamentais da moeda: a
taxa de câmbio e a taxa de juros. “Os Estados são ao mesmo tempo reféns da
hidra bancária e também disciplinados por ela”, disse Morin. (...)
A entrevista é de Eduardo
Febbro e publicada por Página/12, 02-08-2015. A tradução é
de André Langer.
Eis a entrevista.
Você demonstra a
existência de um oligopólio composto por 28 bancos que estão exclusivamente a
serviço dos seus próprios interesses. Em que condições e em que momento surgiu
este oligopólio?
Este oligopólio começou
a emergir em meados da década de 1990. A liberalização completa dos mercados de
capitais permitiu a criação de vastos mercados monetários e financeiros em
escala planetária. Os grandes atores bancários dessa época se adaptaram a este estado
do mundo. É preciso assinalar que esta liberalização completa do mercado de
capitais intervém depois de duas liberalizações precedentes, que ocorreram na
década de 1970: a do mercado de câmbio e da taxa de juros. O oligopólio é
criado quando estes três processos se tornam sistêmicos em escala mundial, isto
é, quando a queda de um deles pode provocar um cataclismo financeiro mundial.
Como este oligopólio
influenciou na crise argentina de 2001?
Há uma relação. Este
oligopólio conta, em sua formação, com 14 bancos que fabricam produtos
(financeiros) derivados, em especial produtos que dependem da taxa de câmbio.
Pois bem, a maioria das crises sistêmicas que conhecemos a partir de 1990, seja
nos países do Sudeste Asiático, no Brasil
ou na Turquia, foram crises provocadas pela especulação
internacional, pelo movimento de capitais. Este movimento foi, além disso,
ampliado pelos produtos derivados criados com a taxa de câmbio.
A crise argentina de
2001 foi uma crise acelerada por estes produtos que permitem à especulação
internacional poder ganhar muito e rapidamente. Quando a Argentina,
em 2001, se afastou do dólar, houve uma forte especulação autorizada pela
globalização dos mercados financeiros e pelos produtos derivados que, naquele
momento, eram fabricados pelos grandes bancos internacionais. Catorze desses
bancos especularam contra a Argentina.
Entre as revelações de
seu livro, a mais surpreendente é que você demonstra que o peso destes 28
bancos ultrapassa a dívida pública mundial.
O poder real destes 28
bancos, ou seja, sua capacidade de mobilizar recursos financeiros, é enorme: o
balanço global do conjunto destes bancos é, em 2012, superior à dívida pública
de 200 Estados. Por um lado, isto mostra o poder fenomenal destes bancos e, por
outro lado, lamentavelmente, a fragilidade dos Estados, que estão super
endividados. Há, pois, uma fragilidade diante da força fenomenal que está diante
deles.
Em que momento da nossa
história recente esse oligopólio se converte naquilo que você chama de “hidra
mundial”?
Começa quando nos damos
conta de que esses bancos se põem de acordo entre si, que praticam uma espécie
de colusão. Esses bancos agem como uma quadrilha organizada para influenciar
coletivamente os principais preços da finança mundial, em especial as taxas de
câmbio e as taxas de juros. As primeiras pesquisas sobre estes bancos são
recentes. Remontam a 2012 e mostram que essas práticas de colusão começam
realmente em 2005. Concretamente, entre os anos 1990 e 2005 o oligopólio começa
a se formar e, a partir de 2005, suas práticas tornam-se comuns. Estamos na
presença de um ator coletivo que se torna devastador para a economia mundial. É
uma hidra devastadora.
A interconexão entre os
membros do oligopólio se estende a muitos campos...
Eles agem em vários
mercados. O mercado de câmbio é um dos maiores do mundo, porque hoje há seis
bilhões de dólares que são trocados diariamente. Em 2012, descobriu-se que cinco bancos controlavam 51% desse mercado.
Mas também manejam o mercado das taxas de juros a curto prazo e o mercado de
certos produtos derivados. Este é um pouco o leque de seus atos criminosos
pelos quais pagaram multas que são, em relação aos seus lucros,
insignificantes.
Em que medida as ações
deste oligopólio explicam as políticas de austeridade que estão em curso em
quase todas as partes?
Em primeiro lugar, pela
não aceitação da realidade do superendividamento dos países europeus. Quando se
observa os dados, não restam dúvidas: antes da crise, o endividamento europeu
era de 60% do PIB. Mas a partir de 2007, exatamente quando começa a crise, esse
endividamento aumenta brutalmente.
O superendividamento
atual está ligado às causas da crise financeira e não ao esbanjamento nas
finanças públicas, como nos querem fazer crer. Hoje se acredita que mediante
políticas orçamentárias rigorosas vai se combater o superendividamento, mas
isso é totalmente falso.
A crise é uma
consequência do comportamento dos grandes bancos durante a crise do subprimes
(produtos financeiros especulativos). Caso se queira reduzir a dívida pública
atual e futura, seria preciso agir sobre esses comportamentos. Mas estes bancos
continuando agindo da mesma maneira que no passado. Sem crescimento e sem
inflação o superendividamento nunca será resolvido, menos ainda com políticas
orçamentárias de austeridade. Estamos em um beco sem saída.
Você afirma que os
Estados são reféns desses bancos.
Sim. Os Estados não
ousam questionar as práticas desses grandes bancos. Estas instituições
desenvolveram lógicas financeiras muito perigosas. São responsáveis pela
instabilidade monetária e financeira internacional, mas os Estados estão
desarmados frente a este oligopólio que é capaz de derrotar as legislações
elaboradas para desarmá-lo. A lógica financeira que existia antes da crise de
2007 persiste.
De fato, este oligopólio
constitui uma ameaça para as democracias. Pior ainda, modela-as à sua vontade.
Está claro que no
momento em que os Estados deixam de ter uma margem de manobra, estão submetidos
às oligarquias orçamentárias e, acima, como ocorre desde a década de 1970,
perdem sua soberania monetária, tudo isto converge para um enfraquecimento
progressivo das nossas democracias. Quando a arma monetária desaparece, quando
não se conta mais com a arma orçamentária, o Estado fica diminuído diante das
potências econômicas que o enfrentam e o denominam. Hoje, na maioria dos
grandes países, as democracias caem e perdem sua solidez diante de um mundo
econômico e bancário superpoderoso.
A sensação global que a
leitura do seu livro deixa é que o cataclismo sempre nos espreita.
Sim, o cataclismo está
por vir, fundamentalmente porque os grandes bancos não mudaram sua lógica
financeira. Estamos diante de grupos privados que agem segundo seus próprios
interesses e que são hiper poderosos. Por conseguinte, as mesmas causas
produzem os mesmos efeitos. A instabilidade financeira persiste, e como as
dívidas públicas só aumentam em todos os países desenvolvidos, nos defrontamos
com a ameaça crescente de uma explosão da bolha das obrigações.
As dívidas são
constituídas por obrigações financeiras e, como a dívida aumenta, há um momento
em que a bolha explodirá e teremos um cataclismo financeiro muito mais grave do
que aqueles vividos até agora, já que os Estados, devido às suas políticas de
rigor fiscal, não poderão intervir. Não se mudou nem um pingo a lógica profunda
da globalização dos mercados e também não se quis romper o oligopólio. É
evidente que estão reunidas todas as condições para que tenhamos outro
cataclismo.
Você ressalta também um
fato que parece de ficção científica: esse oligopólio conseguiu transformar a
dívida privada em dívida pública.
Em 2007, 2008, os
grandes bancos detinham os produtos tóxicos, mas, em vez de reestruturar esses
bancos, em vez de fazê-los pagar pelas consequências dos efeitos
comportamentais, os Estados intervieram para recapitalizar os bancos ou
nacionalizá-los. Em suma, essas obrigações, que representavam uma dívida
privada, transformaram-se em dívida pública. Foram pagos pelos contribuintes.
É a primeira vez na
história da humanidade que o equilíbrio de poder entre o privado e o público é
mudado?
É a primeira vez que
temos um mundo tão globalizado onde os capitais podem deslocar-se de um lado
para o outro do planeta à velocidade da luz, e onde há atores tão poderosos
frente aos Estados. No passado, houve confrontos entre o poder financeiro e o
poder político, mas é a primeira vez na história que esse confronto se dá em
escala mundial. Essa é a novidade...
Então, revolução,
mobilização cidadã... Por onde transitar com uma sociedade global que perdeu
seu poder, sua capacidade de ação decisiva, que entregou sua consciência
democrática e cidadã em troca do novo estatuto de consumidor planetário?
Lamentavelmente, o que
vai acontecer é que, caso não se fizer nada, haverá uma nova crise financeira.
E esta atitude passiva, apática, pode acarretar enormes transtornos, cujos
efeitos políticos e sociais seriam dramáticos precisamente porque esse
transtorno não foi antecipado pelas forças políticas e sociais. Sem dúvida,
fazem-se necessárias mobilizações cidadãs. Não será fácil. Olhe o
que aconteceu na Grécia, com o primeiro-ministro Alexis Tsipras e
o partido Syriza. Os empecilhos ainda não terminaram. Vimos um
governo aceitar um acordo no qual não acredita. Isto nos mostra até que ponto a
democracia foi questionada! Na Espanha, com o movimento Podemos,
talvez ocorra o mesmo.
Não creio que se possa
dizer antecipadamente que as mobilizações cidadãs iniciarão as mudanças que
esperamos. Talvez, com as redes sociais e os movimentos, possamos esperar que
se inicie um processo. Necessitamos de uma palavra política forte capaz de sintetizar
o mundo de hoje e, também, lançar a consigna capaz de abrir o caminho para as
mudanças reais.
As contradições que
vimos na Grécia são o ponto de incandescência destas questões.
Nada terminou. Como se diz popularmente, se gostamos da temporada “um” na Grécia,
vamos adorar a temporada “dois”! O certo é que sem ação coletiva não sairemos
disto. Como imaginar o que vem, como contornar esta relação de forças
totalmente desigual entre as potências bancárias e os Estados enfraquecidos?
Reconheço que as democracias
estão em perigo, mas creio que a única solução passa por uma reconquista
política, que pode tomar várias formas. Nos últimos anos, os Estados foram
abandonando progressivamente sua soberania política, monetária e orçamentária.
Devemos levar em conta a
realidade da globalização do mundo. Os Estados precisam recuperar sua margem de
manobra, sua soberania, mas dentro de um marco organizado, em escala
planetária. Isso supõe que os Estados atuem coletivamente organizando, por
exemplo, uma grande conferência do tipo Bretton Woods (1944).
Outro caminho consiste
em que os cidadãos incitem os Estados a agir, em todo o mundo, com movimentos
diversos. No entanto, antes de mais nada, estas opções supõem que se tome
consciência do estado do mundo, das relações de força existentes. É indispensável que a política volte ao
primeiro plano da gestão dos assuntos econômicos. A moeda deve ser um bem público e não um bem privado.
Em suma, trata-se de
adormecer o consumidor e despertar o cidadão globalizado. Neste contexto, a
crise grega é a explosão visível da degradação das democracias ocidentais.
Os gregos têm algo muito
forte em sua história milenar: sempre tiveram o sentido do político. Desde os
primórdios da democracia na Grécia, os debates sempre foram muito
ricos, até violentos. É isso que deve ser despertado, hoje, no mundo. Os gregos
estão nos mostrando como se faz política. Encontramo-nos em estado de
emergência.
Fonte: IHU - Notícias
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