Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Uma missa para o curumim degolado. – Reportagem de Aline Torres. Merece a divulgação!




A reportagem Uma missa para o curumim degolado, de Aline Torres, aborda o assunto de discriminação e de violência que a população indígena no Brasil ainda hoje continua sofrendo. O caso do menino indígena Vitor Pinto, assassinado cruelmente e de forma tão absurda quando estava nos braços da sua mãe, à luz do dia e numa área pública, chocou muitas pessoas e levantou o grito de protesto de algumas entidades e algumas parcelas da nossa sociedade. O assassinato  foi  cometido no dia 30/12/2015.

Sabemos, porém, que este é apenas mais um crime entre outros tantos que continuam acontecendo dia-a-dia neste vasto território do Brasil.

Penso que o drama, o sofrimento e a dor de muitos povos indígenas na verdade é o seu forte grito por seus direitos e pela justiça, que a sociedade toda precisa ouvir. O Brasil não pode mais ficar surdo perante esse grito!

A reportagem abaixo também é muito esclarecedora e nas suas entrelinhas convida a todos nós para uma reflexão séria sobre o assunto.

Não deixe de  ler!
WCejnóg





Celebração por Vitor, bebê Kaigang assassinado em Santa Catarina, se torna caravana por respostas na delegacia onde suspeito está preso.


Por ALINE TORRES

Imbituba (Santa Catarina)
7 jan 2016. 

Uma missa para o curumim degolado

Meia hora antes do horário previsto para a missa, duas beatas bufavam impacientes pela demora do padre. A poucos metros dali o indiozinho Kaigang,  Vitor Pinto, 2 anos, foi degolado. No sétimo dia depois do crime do penúltimo dia de 2015 (30/12/2015), a comunidade cristã resolveu homenageá-lo. No chão não havia flor ou vela, mas sangue. As beatas venceram o tédio percorrendo as marcas. Os sinais estão lá, sob a sombra da castanheira, em frente a rodoviária da cidade portuária de Imbituba, no sul de Santa Catarina. Dois bêbados que não sabiam do caso se uniram a elas. Aos poucos as pessoas surgiram, mais de cem. Meio-dia em ponto começou a missa. No mesmo horário que Vitor teve a garganta cortada, após ter os cabelos afagados pelo assassino.


Inscrição em calçada lembra morte de criança indígena.
Foto: CIMI

Concluído o Pai Nosso, o padre Luciano dos Santos pediu licença para complementar a oração do Papa Francisco: “Digamos juntos, de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”, e acrescentou “nenhuma etnia indígena sem suas terras demarcadas”.

Quando se discute no Congresso mudanças que podem pôr em xeque a demarcação de terras indígenas no Brasil, o padre recebeu aplausos tímidos dos Guarani, que vieram de aldeias próximas, solidários ao ato.

— Esse padre é índio, né?, perguntou uma mulher.

Foi aberto espaço. A cacique Guarani Kerexu Ixapyry, 35 anos, viajou 93 km para falar.

— Eu temia por esse momento. Os indígenas são vítimas da violência em todo o Brasil. Mas é preciso a tragédia para que nos ouçam. Somos tratados piores que animais. No Mato Grosso do Sul nosso povo está sendo exterminado. Em Santa Catarina somos vítimas de ameaças”, disse a líder, há quatro anos jurada de morte.

Os Guarani entoaram um canto a Nhanderú, deus solar, pela alma do curumim. O padre encerrou seu discurso pedindo aos fiéis que “vençam as diferenças”. “Basta de perseguição”, bradou. Em seguida fez a comunidade repetir três vezes uma expressão: “Somos paz”. Nesse momento, ativistas grafitavam no chão "Vitor Kaingang vive em nós".

Em busca do motivo

Antes que a população se dispersasse, Marina Oliveira, representante do CIMI (Conselho Indigenista Brasileiro), braço da Igreja Católica que milita na causa indígena, fez uma convocatória para irem à delegacia. Foram todos com intuito de entender o “real motivo” do assassino de Vitor.

Dia de 2015 (30/12/2015), a comunidade cristã resolveu homenageá-lo. No chão não havia flor ou vela, mas sangue. As beatas venceram o tédio percorrendo as marcas. Os sinais estão lá, sob a sombra da castanheira, em frente a rodoviária da cidade portuária de Imbituba, no sul de Santa Catarina. Dois bêbados que não sabiam do caso se uniram a elas. Aos poucos as pessoas surgiram, mais de cem. Meio-dia em ponto começou a missa. No mesmo horário que Vitor teve a garganta cortada, após ter os cabelos afagados pelo assassino.


Oração pelo menino.
Foto: CIMI

O delegado Rafael Giordani foi cravejado pela curiosidade. No início calmo e depois irritado, ele foi respondendo cada questão. Até que um homem perguntou se a mãe de Vitor tinha reconhecido o suposto criminoso. O delegado disse que não. Mas a mulher, de longos cabelos pretos e voz trêmula, o interrompeu aos gritos: “É sim. É o menino que matou meu filho. Por que vocês querem soltar ele?”.

Era Sônia. Aos 27 anos, mãe de dois filhos, a indígena é a imagem do abandono. Vestia um camisetão rosa, saia azul comprida e havaianas verdes menores que os seus pés. A dor dos últimos dias causou tiques nervosos. As pálpebras e maçãs do rosto tremiam. Na pele há inúmeras feridas e alergias, o olho esquerdo não abre, e apesar de medir 1,5 metro, pesa mais de 80 quilos. O pai de Vitor, Arcelino, 42 anos, ao contrário, tem pinta de pastor. Vestia sapatos pretos fechados, calça social cinza e camisa azul de mangas compridas. O casal é evangélico, apesar de adorarTupã, deus do Trovão. O sincretismo religioso permitiu a sobrevivência dos Kaingang.

A família chegou atrasada, após 12 horas de viagem deChapecó, no Oeste catarinense, até Imbituba. Vieram os pais do indiozinho e as lideranças da aldeia Condá, onde vivem, e onde Vitor foi enterrado. Como o umbigo tradicionalmente jogado no solo após o nascimento, o curumim voltou ao ventre da Mãe Terra.

Surpreso com a presença da família, o delegado passou a responder somente aos indígenas. A plateia ora vaiava, ora se excitava. “Se um indígena cortasse a garganta de uma criança branca o Brasil viria abaixo. Quero a mesma indignação pela morte do meu filho”, justificou Sônia.

Com o clamor, o delegado transformou o espetáculo em conversa privada. Na salinha da delegacia, Sônia e Arcelinoreconheceram os objetos encontrados com Matheus de Ávila Silveira, 23 anos. A mochila, a camiseta, os tênis e as luvas azuis e brancas. O jovem foi preso no 1° dia do ano e aguarda a conclusão do inquérito policial, que levará 30 dias, na Unidade Prisional Avançada de Imbituba, em isolamento. O delegado não tem dúvida sobre a autoria do crime e descreve o autor como “frio e debochado”.

Apesar dessa definição, agentes prisionais contam que Matheus arranca a própria pele, é nervoso. A autoflagelação também ocorria na delegacia de polícia, onde tentou suicídio por asfixia engolindo a espuma do colchão.

O rapaz integrava um grupo de satanistas. Segundo seu amigo Ramon, eram mal vistos na cidade praiana por gostarem de preto e fumarem maconha na praça. Na página do Facebook, Moxa Zombie postava imagens macabras e frases como Nictofilia “qualidade daquele que encontra conforto na escuridão”. No entanto, seu maior culto era às drogas. Não várias publicações exaltando pirações e bebedeiras. Como no dia que conta aos amigos “bebi tanto que mijei toda minha legging”. Apesar do perfil, Matheus não levantou suspeita.

O ataque

Sônia alimentava o indiozinho com colheradas de arroz – era apenas o que tinha naquele momento – quando viu um rapaz “simpático se aproximar”. “Ele veio calmamente. Era bem vestido, classe média. Afagou os cabelos do piá, sorriu. Quando ele olhou para cima para ver quem o tocava aconteceu o pior”, disse Sônia.


Pais de menino degolado mostram cartaz.
Foto: CIMI

Segundo Ronaldo Campos, 33 anos, dono da lanchonete da rodoviária, Matheus “pernoitou em um dos bancos no dia anterior e parecia inofensivo”. FoiRonaldo e a auxiliar de limpeza, Marize, que estancaram o sangue do pescoço de Vitor enquanto a índia gritava por ajuda. “Não durou dois minutos. Se tivesse uma paramédico ao lado ele não teria sobrevivido, tamanha foi a violência”, disse Ronaldo.

O comerciante atendeu Vitor e sua família desde o dia que desembarcaram no município. “O menininho vinha a tarde inteira com o irmão mais velho, Jessé, buscar doces e geladinhos. Parecia uma formiguinha carregadeira”, contou.

Arcelino trabalhava em outra praia. Comia um salgado frito com refrigerante em um boteco quando ouviu na televisão “um índio foi morto na rodoviária de Imbituba”. Quando chegou no local do crime, viu os chinelos e brinquedos de Vitor espalhados no chão. Sônia não estava, eram quase 18h.

Antes de chegar à delegacia viu a mulher vagando de um lado para o outro, sozinha, na chuva. Ali soube o destino do seu "nenê": “Foi morto por um branco”, disse a mãe. Na rodoviária, sem abrigo ou apoio, permaneceram até a manhã seguinte.

Para o delegado, não se trata de crime étnico. Os Kaingang discordam. “Esse menino não é louco. Se fosse, teria matado o primeiro que viu pela frente. Ele escolheu o Vitor, um bebê, no colo de uma indígena. Escolheu porque eram vulneráveis, assim são os índios do Brasil ”, disse a vice-cacique da Condá, Márcia Rodrigues.

Fonte: El País 


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