Nesta última semana do mês de agosto um dos meus três filhos, Pedro, o do meio, fez o seu 13º aniversário.
Lembrar e comemorar esta data, assim como as datas dos demais aniversários em
nossa família, é, sobretudo, sentir a alegria de estar aqui, junto com os
outros, e sentir gratidão pela vida. É muito emocionante poder dar e receber um
abraço, olhar nos olhos do outro e desejar-lhe felicidade, isto é, querer que a
sua vida seja repleta de paz e felicidade.
São
momentos como esses, que me fazem pensar na vida, no sentido da nossa
existência humana, e fazer ‘avaliações’ das coisas boas e ruins, que aconteceram
e estão acontecendo sem parar na vida de cada um de nós, até o momento em que
inevitavelmente sairemos, um por um, deste mundo.
Penso,
então, no mistério da vida, no ‘privilégio’ ou sorte de estar vivo, no dom da
vida – e tudo dirige-se na direção de Deus, que é Pai/Mãe, fonte de tudo, o
Mistério insesgotável, o Amor revelado-nos em Jesus.
Recordo
duma frase de Ellen G. White: “Nada
temos a temer quanto ao futuro, a menos que nos esqueçamos como Deus tem nos
conduzido no passado." Pois é, o futuro a Deus pertence; o futuro
de todos e de tudo! E é irrelevante - penso eu - se alguém crê nisso, ou não, se concorda - ou não. Tudo pertence a Deus que é AMOR. Nada mais importa.
Para
acrescentar mais uma reflexão sobre o dom da vida, trago aqui, também, um texto
de autoria do Dom Eusébio Oscar Scheid. É um
convite para aprofundar um pouco a presente reflexão.
Vale a pena ler.
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Por: Dom Eusébio Oscar Scheid
Raramente, nos detemos para
“sentir” a vida, isto é, para meditar sobre este maravilhoso dom que recebemos
de Deus. Mas é assim que aprendemos a desfrutar o verdadeiro tesouro que ela
representa. Isto tem a ver com uma qualidade de vida saudável, que supera o
mero hedonismo, enquadrando todas as alegrias e tristezas na climática da
esperança, própria dos que confiam em Deus.
Podemos assinalar quatro tipos de
posições filosóficas em relação à vida. Há os que querem aproveitá-la a todo
custo: Carpe diem, como dizia Horácio. Essa era, também, a meta dos
epicuristas, escola fundada pelo filósofo Epicuro nos séculos IV–III a.C.:
aproveitar enquanto é tempo, porque depois vem a morte. Entretanto, o mais
simples bom senso reconhece que a ânsia em degustar tudo o que existe de bom
traz os maiores dissabores e, até, a doença.
Contemporâneos dos epicuristas, os
estóicos de Zenão de Chipre contradiziam aquele princípio, afirmando que é
preciso chegar ao desprezo das coisas, sejam boas ou más, e conquistar a
tranqüilidade absoluta, que conduziria à imperturbabilidade. Existem,
realmente, pessoas tão equânimes e equilibradas, que as consideramos
admiráveis. São os melhores conselheiros. Porém, quem conseguiria, em todas as
circunstâncias, colocar-se acima das vicissitudes, a ponto de tornar-se
imperturbável? Mesmo os santos, apoiados na graça de Deus, nem sempre o
conseguiram.
A corrente que mais tem resistido
ao tempo, mas nem por isso sendo menos errônea, é aquela que considera o ser
humano sujeito a uma sucessão de vidas, as chamadas reencarnações. Por elas,
cada indivíduo resgataria o mal cometido em vidas passadas, até chegar à pureza
total, libertando-se desse ciclo. Nessa perspectiva, cada um salvaria a si
próprio, excluindo a necessidade do sacrifício redentor de Jesus, como nosso
Salvador.
O budismo também considera isso.
Tive a oportunidade de estudar algo mais sobre as oito vias, ascéticas e
místicas, que essa filosofia prescreve para superar os desejos e a dor que
provocam. Atingem até o último dos desejos a ser suprimido, que é o desejo do
viver, enaltecendo, até mesmo, o suicídio.
Nós, cristãos, cremos que a vida é
obra da Criação divina. A força intrínseca que lhe dá origem está naquilo que
Santo Agostinho chamava de “razões seminais”, contidas nos diversos ciclos
reprodutores, e ali colocadas pelo próprio Criador. Nisto está a diferença da
nossa concepção de Criação, como obra de um Deus inteligente e amoroso, em
relação a outras teorias, que tentam justificar a existência das criaturas
através do acaso, sem rumo, ordem ou destino.
Não há como dissociar vida e
criação, porque Deus é o Ser Vivo por excelência, doador da existência aos
demais seres, especialmente, àqueles dotados de vida perene. Por isso, a Bíblia
nos ensina que a vida é preciosa e bela: “Deus contemplou toda a sua obra, e
viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31).
O maior dom da Criação foi ter
dado a vida aos seres humanos, que a receberam como pessoas, livres e
inteligentes. Usando uma linguagem pedagógica, numa concepção tipicamente judaica,
o texto sagrado descreve Deus que modela o ser humano, criado à sua imagem, e
insufla em suas narinas o nefesh, sopro de vida (cf. Gn 2,7). Assim, a vida
veio a ser uma das grandes manifestações da nossa semelhança com Deus. Embora
presidindo funções comuns aos vegetais e animais, a vida humana as supera,
assinalando a transcendência da nossa origem e do nosso destino.
Apesar disto, nosso corpo físico,
enquanto matéria, está sujeito à caducidade e à morte. Nos livros da Antiga
Aliança, ainda não havia clareza quanto à vida eterna feliz, após a morte dos
justos. Assim, autores inspirados queixam-se da brevidade da vida,
especialmente nos Salmos e na literatura sapiencial: “Setenta anos é o total de
nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta. A maior parte deles é sofrimento
e vaidade, porque o tempo passa depressa e desaparecemos” (Sl 89[90],10).
A Deus pertence a ciência da vida,
que Ele compartilha com o homem. O Livro do Eclesiástico introduz profundas
considerações sobre este tema, que considero o maior elogio que os médicos, e
os outros profissionais da saúde, poderiam receber: “O Altíssimo deu-lhes a
ciência da medicina para ser honrado em suas maravilhas. Meu filho, se
estiveres doente não te descuides de ti, mas ora ao Senhor, que te curará. Em
seguida, dá lugar ao médico, pois ele foi criado por Deus; que ele não te
deixe, pois sua arte te é necessária” (Eclo 38,6.9.12).
A vinda de Cristo muda o rumo das
nossas vidas. Isso é extraordinário! Num certo momento da história, veio Aquele
que não somente quis partilhar a vida conosco, mas afirmou: “Eu sou a Vida. Vim
ao mundo para que a tenham em abundância” (Jo 14,6 ; 10,10). Ele como que traz
a vida nas próprias mãos, e a derrama sobre nós, sobre nossas comunidades e
famílias, do mesmo jeito como Ele a trouxe do Pai.
São Pedro vai pregar aos judeus a
conversão, afirmando: “Vós matastes o Autor da vida, mas Deus o ressuscitou
dentre os mortos. E disso nós somos testemunhas” (At 3,15). Jesus, embora sendo
Deus, quis se unir à nossa humanidade, frágil e transitória. Na força do
Espírito Santo, deu-nos vida nova, gloriosa, com todo o esplendor da glória
divina, através da sua Ressurreição.
Assim, Cristo nos mereceu essa
mesma vida, da qual já participamos: recebida no Batismo, renovada e acrescida
nos demais Sacramentos e aprimorada pela Palavra de Deus. Tão sublime dom nos
foi concedido para ser degustado, desfrutado e levado à plenitude, na comunhão
com os irmãos e irmãs. Afinal, a nossa vida romperá os umbrais do tempo, para
consumar-se na eternidade feliz, como disse Santa Teresinha: “Eu não morro;
entro na vida”.
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* D. Eusébio Oscar Scheid é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Foi o sexto arcebispo de São Sebastião do Rio de
Janeiro, tendo sucedido a Dom Eugênio Sales e teve como sucessor Dom Orani João Tempesta.
Fonte: Amai-vos