“Um pacifismo abstrato de boas intenções pode ser paralisante. A morte de
crianças palestinas em Gaza e a fuga em massa das populações yazidis, lembrando
também o sequestro de cerca de cem meninas pela milícia radical islâmica Boko
Haran no norte da Nigéria, exigem um alinhamento firme pela justiça e
diante de crimes contra a humanidade.” – do texto abaixo.
Trago hoje para o blog Indagações-Zapytania um
artigo muito útil e atual do sociólogo Luiz Alberto Gómez de Souza, em relação aos conflitos
militares e guerras civís que têm lugar no mundo neste momento e que provocam
verdadeiros genocídios. O texto constitui um apelo pelo fim imediato de todas
essas atrocidades. É preciso denunciar a hipocrisia das sociedades ocidentais
pela omissão e falta de medidas concretas e adequadas para acabar com esses conflitos.
É preciso desmascarar os culpados e suas verdadeiras intenções. Enfim, é
preciso de empenho e autêntico interesse
para de fato trilhar o caminho para a paz duradoura no mundo.
O
artigo foi publicado recentemente no site do Instituto Humanitas Unisinos
(IHU).
Vale a pena ler!
WCejnog
IHU
- Notícias
Quarta, 20 de agosto de
2014
Na denúncia dos genocidios
"É obrigação dizer
basta aos crimes hediondos do ISIS. Um pacifismo abstrato de boas
intenções pode ser paralisante. A morte de crianças palestinas em Gaza e a fuga
em massa das populações yazidis, lembrando também o sequestro de cerca de cem
meninas pela milícia radical islâmica Boko Haran no norte da Nigéria,
exigem um alinhamento firme pela justiça e diante de crimes contra a
humanidade", escreve Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo.
Segundo ele, "há
que tomar partido contra os crimes que bradam aos céus. Merleau-Ponty,
criticando certas posições de cristãos “au dessus de la mêlée”, dizia que eles
tinham as mãos limpas ... porque não tinham mãos. Quero minhas mãos salpicadas
com o sangue de inocentes, com o pó dos tanques entrando em Gaza e das multidões
em fuga no Iraque, sentindo o cheiro e o gosto amargo desse pecado social.
Sempre com compromisso e indignação".
Eis o artigo.
Gaza e o
povo yazidi em fuga, com o grito desvairado das mães, são Guernica
hoje.
Não é tempo de análises
ahistóricas. Tenho enviado mensagens com a cumplicidade indignada em defesa do
povo palestino. Amplio para o desatino da criação de um novo sultanato no
Oriente Médio.
Jean Giono, num
desafio aos cristãos, escreveu: “Não quero atravessar as batalhas com uma flor
na mão”. Não concordo se for guerra entre países. Há exatamente um século, às
vésperas do conflito de 1914. o grande Jean Jaurès, líder socialista
francês, foi assassinado ao pregar a paz. Mas aqui não se trata de guerra
ou paz, mas de um genocídio (holocausto, valha a provocação) do povo
Palestino. O problema não é entre judeus e palestinos (todos temos um pouco de
sangue judeu). Nem uma absolvição do Hamas. Trata-se do estado de Israel
trucidando crianças e população civil. Em Tel Aviv judeus desfilaram contra a
ação do estado assassino de Israel. Minha amiga, Shulamit Aloni,
ex-ministra de Israel, deixou a política para dedicar-se ao diálogo
judeu-palestino. Barenboim, judeu argentino-israeli e o fantástico
palestino Edward Saïd, criaram uma orquestra de jovens
palestinos-judeus. Mas agora estamos numa situação de urgência. Não é hora de
terceirismos. Como se durante o holocausto judeu dos nazistas disséssemos,
querendo parecer equânimes: “sim, mas há também o gulag de Stalin”.
Mania de alguns intelectuais e cristãos de querer colocar as coisas fora das
emergências da história concreta. Assinei um manifesto contra Israel, pelo
massacre dos palestinos. Ao mesmo tempo, recusei assinar outro manifesto de
alguns amigos, por não aceitar colocar o tema terrível em um plano fora
do histórico concreto e pretensamente equilibrado.
Agora temos outro
genocídio em marcha: a ação aterrorizante dos jihadistas do Estado Islâmico do
Iraque e do Levante (ISIS), em árabe Daash, que quer reinventar um
califato, abolido em 1923 por Atatürk. Seu avanço tem sido fulminante, no norte
da Síria e em boa parte do Iraque, aproximando-se de Bagdá. Vem de uma tradição
sunita, como Al Qaeda, mas se lança indiscriminadamente contra outros
muçulmanos sunitas, contra chiitas, yazidis e cristãos. Para eles, os
não-muçulmanos devem converter-se ao Islã, pagar um tributo (jizya), buscar o
exílio ou a morte. Destroem mesquitas árabes e templos cristãos.
Contra eles se erguem
muitas vozes, como o grande ayatolá xiita do Irak, Ali al-Sistani; o
grão-mufti do Egito, Shawki Allam: “esse grupo representa um perigo para
o Islã e para os muçulmanos do mundo. Todos os princípios do Islã foram
violados”; o imã Ahmad al-Tayeb, da mesquita universitária sunita de al-Azhar
no Cairo; o Hezbollah no Líbano; o patriarca caldeu cristão Louis
Raphael I Sako; do lado católico, o Conselho Pontifício do Diálogo
Inter-religioso, que denunciou decapitações, crucifixões, mutilação
genital, o rapto de jovens como “espólio de guerra” (sabaya). Um dos fatos mais
graves, a violência contra a comunidade de fala curda dos yazidis, um dos povos
mais antigos da Mesopotâmia, com uma crença de cerca de 4.000 anos, na tradição
do zoroastrismo persa. Estes últimos já tinham sido perseguidos por muçulmanos
e cristãos e, em 2007, pela Al Qaeda; populações inteiras deles correm o risco
de serem massacrados e fogem pelos desertos em direção à Turquia. Não podemos
ficar indiferentes.
Escreveu o monge Enzo
Bianchi, da comunidade de Bose em La Stampa (12-08): “Aqui todos se perguntam
apenas isto: ‘até quando?’(...) ‘até onde?’. Até quando durará essa tragédia,
até que ponto chegará a barbárie humana perpetrada em nome de um fanatismo
religioso? Depois do massacre de homens, mulheres e crianças yazidis, alguns
deles enterrados vivos, depois da aventurosa fuga de 20 mil deles das montanhas
onde eram perseguidos, torna-se cada vez mais tragicamente evidente que todas
as minorias religiosas (...) correm o risco da eliminação total na planície de
Nínive. Uma região que, ao longo dos séculos, tinha conhecido a convivência de
etnias e religiões diferentes,vê agora sepultada a humanidade junto com
crianças indefesas, depois de ver explodir em uma nuvem de fumaça a mesquita
dedicada ao profeta Jonas, figura venerada por judeus, cristãos e muçulmanos,
lugar de peregrinações sagradas que reuniam crentes de diversas filiações”.
E Bianchi
insinua, na raiz dessa situação, a ação criminosa do governo George W. Bush,
na segunda guerra do Iraque, a partir de informações falsas, porém em função
dos interesses da indústria bélica de seu vice Dick Cheney e de outros senhores
da morte nos Estados Unidos: "como cidadãos do mundo, aos detentores de
poder político e financeiro, devemos pedir contas de quem e como fornece
dinheiro ou armamentos – ou ambas as coisas – a grupos de fanáticos religiosos
que, embora lisonjeados no início, invariavelmente acabam se tornando
incontroláveis; podemos exigir explicações dos seus fins estratégicos, que não
souberam prever que a pretensão de encontrar e desarmar armas de destruição
massiva, usando instrumentos de morte, faria surgir instintos destruidores em
massa, mesmo onde estavam em silêncio..." E diz então Bianchi: “Sim,
devemos reencontrar a consciência de que, quando se pisoteia a dignidade
humana, se ofende a Deus; quando se invoca a Deus para fazer a guerra,
blasfema-se contra Ele!”.
O papa Francisco,
no dia 11 de agosto, denunciou: o que está acontecendo no Iraque "ofende
gravemente a Deus e à humanidade. Não se porta o ódio em nome de Deus! Não se
faz a guerra em nome de Deus!".
Francisco
decidiu enviar a Bagdá o cardeal Fernando Filoni – núncio apostólico na capital
iraquiana nos tempos da guerra do Golfo – e está tentando lançar uma nova
iniciativa diplomática.
Diz o jornal italiano Pagina
99 de 11 de agosto: “A realidade dos fatos está pondo em escanteio a
posição do ‘não’ à Guerra, para forçar a Igreja a assumir uma leitura mais
concreta e talvez menos profética e mais institucional da crise que está se
desenvolvendo no Oriente Médio(...) Por outro lado, a definição de guerra como
instrumento ‘contrário à razão’ (João XXIII) e o ‘jamais plus la guerre"
de Paulo VI, também parecem mostrar os seus limites no caos da nova
desordem mundial. Foi João Paulo II quem colocou a questão em termos
novos diante dos massacres a que os bósnios (em grande parte muçulmanos), eram
submetidos no conflito dos Bálcãs do início dos anos 1990 (a intervenção
humanitária); a doutrina do uso da força segundo o direito internacional foi
depois inserida na mensagem para a paz de 1º de janeiro de 2000. Francisco
ainda não proferiu pessoalmente palavras tão explícitas, mas fez com que fossem
ditas pelos seus mais altos representantes. No domingo (dia 10), no entanto,
ele chegou muito perto disso, quando, no Angelus, pediu que se encontre
uma solução política e diplomática para a crise para ‘parar esses crimes e
restabelecer o direito’" (Pagina 99).
Silvano Maria Tomasi,
observador da Santa Sé junto à ONU e Giorgio Lingua, nuncio em Baddá, chegaram
a falar da possibilidade de uma intervenção militar oportuna. Este último
indicou: Os grupos considerados terroristas “não são produtores de armas,
portanto de algum lugar elas devem chegar (…) É preciso parar ou controlar
melhor esse aspecto, caso contrário nunca se acabará” (IHU Notícias, 13-08).
É obrigação dizer basta
aos crimes hediondos do ISIS. Um pacifismo abstrato de boas intenções
pode ser paralisante. A morte de crianças palestinas em Gaza e a fuga em massa
das populações yazidis, lembrando também o sequestro de cerca de cem meninas pela
milícia radical islâmica Boko Haran no norte da Nigéria, exigem um
alinhamento firme pela justiça e diante de crimes contra a humanidade.
Há que tomar partido
contra os crimes que bradam aos céus. Merleau-Ponty, criticando certas
posições de cristãos “au dessus de la mêlée”, dizia que eles tinham as mãos
limpas ... porque não tinham mãos. Quero minhas mãos salpicadas com o sangue de
inocentes, com o pó dos tanques entrando em Gaza e das multidões em fuga
no Iraque, sentindo o cheiro e o gosto amargo desse pecado social. Sempre
com compromisso e indignação.
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* Luiz Alberto
Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do
Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido
Mendes. (In:
Carta Maior)
Fonte: IHU - Notícias
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