A entrevista abaixo foi publicada recentemente pela Agência Fiocruz de
Notícias (AFN) e também
no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). É muito importante divulgar essas
informações.
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IHU - Notícias
Sexta, 15 de agosto de
2014
Infectologista da Fiocruz
esclarece dúvidas sobre a epidemia de ebola e aborda os riscos para o Brasil
A África
Ocidental está enfrentando um novo surto de ebola, o maior em quase quatro
décadas de história da doença. As proporções têm chamado a atenção das
autoridades e órgãos de saúde em todo o mundo. O mais recente boletim da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre todo o oeste da África, divulgado na última
quarta-feira (7/8), aponta 932 mortos desde o começo do ano, com 1.711 casos
confirmados de ebola, sobretudo na Guiné (363), Libéria (282) e Serra Leoa
(286). No mesmo dia, a Libéria decretou estado de emergência.
A entrevista é
de Carolina Landi, Marina Bittencourt e Renata
Moehlecke, publicada pela Agência Fiocruz de Notícias
- AFN, 14-08-2014.
A OMS,
que realizou um encontro de dois dias de um comitê emergencial de especialistas
para decidir a resposta internacional ao surto, declarou emergência sanitária
internacional na última sexta-feira (8/8). Com isso, os países afetados pela
epidemia vão ter que adotar, entre outras medidas, exames para detectar o vírus
em aeroportos, portos e postos de fronteira, em todas as pessoas que
apresentarem febre e outros sintomas semelhantes aos do ebola. O Brasil, até o
momento do fechamento desta matéria, segue sem casos suspeitos, de acordo com o
Ministério da Saúde. O órgão lançou um informe técnico
sobre o ebola.
A Agência Fiocruz de Notícias convidou a médica infectologista Otília
Lupi, do Laboratório de Doenças Febris Agudas
do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), para
esclarecer as principais dúvidas sobre o ebola. Entre outras informações, ela
fala sobre sintomas, contágio e o risco de o Brasil desenvolver uma epidemia.
Eis a
entrevista.
O que é o
ebola?
O vírus ebola é
um vírus que pertence à família dos filovírus. Sabemos hoje que existem cinco
tipos de vírus Ebola, que varia na sua capacidade de causar doenças e
na letalidade. O vírus foi descrito a partir de uma epidemia que aconteceu em
1976, com focos na região do Zaire (hoje República Democrática do Congo) e ao
sul do Sudão e, até hoje, tem produzido vários surtos no continente africano.
Esse vírus foi transmitido para seres humanos que tiveram contato com sangue,
órgãos ou fluidos corporais de animais infectados, como chimpanzés, gorilas,
morcegos-gigantes, antílopes e porcos-espinhos. Existem cinco espécies de vírus
ebola (Zaire ebolavirus, Sudao ebolavirus, Bundibugyo ebolavirus, Reston
ebolavirus e Tai Forest ebolavirus), sendo o Zaire ebolavirus
o que apresenta a maior letalidade, geralmente acima de 60% dos casos
diagnosticados.
Quais os
principais sinais e sintomas?
O ebola causa
febre hemorrágica. No início, o paciente apresenta febre, dor de cabeça e
mialgia, evoluindo posteriormente para vômitos e diarreia. A fase inicial é
inespecífica, mas existe uma evolução relativamente rápida, em alguns
pacientes, para a forma hemorrágica grave, na qual há falência múltipla dos órgãos.
Também acontece um distúrbio que leva à Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD),
que ocasiona sangramentos na mucosa, no intestino e no útero. Geralmente, é uma
evolução para a forma terminal da doença.
De que
forma é transmitido?
A transmissão só
acontece após o aparecimento dos sintomas e se dá por meio do contato direto
com sangue, tecidos ou fluidos corporais de indivíduos e/ou animais infectados
ou do contato com superfícies e objetos contaminados por esses fluídos. O vírus
tem um período de incubação de 1 a 21 dias.
Existe
forma mais ou menos grave de ebola?
Para cada uma
das cinco cepas, existe uma variação de letalidade. O surto que está
acontecendo agora é causado pela cepa mais letal. Nas primeiras epidemias, a
letalidade estava em torno de 90%. No surto atual, o número ainda é alto, entre
50 e 60%. No entanto, muitas pessoas desenvolvem uma forma mais branda da
doença. É importante lembrar que a enfermidade está acontecendo em uma das
regiões mais pobres do mundo. A capacidade de oferecer terapia de suporte ao
paciente é muito precária, mesmo com toda a ajuda que tem recebido da OMS,
Médicos Sem Fronteiras, etc. As estruturas montadas para
a assistência não têm as mesmas condições de um hospital regular. A letalidade
pode ser menor se o paciente for tratado em um centro com mais recursos.
O que é
uma emergência de saúde pública internacional?
Quando há um
surto ou uma epidemia de uma doença, ou seja, quando a taxa de ocorrência é
maior do que o previsto para a área restrita ou país e a proliferação exige uma
reação global, a OMS decreta a necessidade de uma
maior vigilância e implantação de medidas de controle ou prevenção.
Como são
feitas as notificações para a OMS?
No caso do
ebola, há uma ocorrência de emergência de saúde pública. O Brasil é signatário
do Regulamento Sanitário Internacional, coordenado pela OMS.
Esse documento foi atualizado em 2005, pois claramente existia uma necessidade
de os países compartilharem mais abertamente as informações sobre as doenças ou
eventos que pudessem sair do controle internamente e extrapolar as fronteiras.
Antigamente, só se preocupava com febre amarela e cólera. Hoje, o mundo todo
está trabalhando dentro de uma lógica que alimenta o alimenta a GOARN
(Global Outbreak Alert and Response Network), um sistema de vigilância global,
de alerta e resposta.
A ideia é manter
a OMS atualizada de tudo que está acontecendo. Por
exemplo, se houver um rumor de caso suspeito de ebola no Brasil, a OMS
contata o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs),
em Brasília, que será responsável por checar essa informação e responder à OMS.
Antes, o Cievs era um órgão único no Brasil, mas hoje esse
sistema é descentralizado, então temos Cievs em quase todas as capitais do
país. Essa rede já funciona para uma série de doenças que necessitam de uma
resposta imediata. Além disso, temos no país um sistema de vigilância
epidemiológica que tem mais de 30 anos de existência.
Há riscos
reais de a epidemia chegar ao Brasil?
Em março, o
governo da Guiné comunicou à OMS alguns casos suspeitos de
ebola. Nesse momento, a OMS informou ao mundo inteiro a
possibilidade de um novo surto. Todos os países passaram a acompanhar os
informes do site da OMS, que atualmente emite boletins
quase diários sobre a evolução do surto. Por isso, o Brasil já está em alerta
desde março. A possibilidade de o Brasil vir a ser, de fato, alcançado por esse
surto depende da segunda etapa da epidemia. A primeira etapa é alguém estar na
zona de risco, ter contato com o reservatório [nota: no Brasil, não há
circulação natural do vírus ebola em animais silvestres, como em várias regiões
da África] e trazer para o contato humano. A segunda é a transmissão entre
humanos, a partir de secreções ou gotículas. É nessa etapa que corremos o risco
teórico. Como o período de incubação pode ser relativamente longo, a pessoa
pode dar a volta ao mundo algumas vezes, sem estar com os sintomas.
No Brasil, não
há voos diretos para os países afetados. Para acontecer, seria preciso ser uma
pessoa em trânsito ou um paciente em fuga, procurando assistência fora do seu
local de origem. Se o ebola continuar restrito a Serra Leoa, Guiné e Libéria, nosso contato é pequeno, apesar de não ser zero. O
risco real e potencial existe e toda pessoa que vier com febre de algum desses
países será tratada como caso suspeito, segundo a definição da OMS.
Para não ser considerado suspeito, o indivíduo tem que estar fora daquela
região há mais de 21 dias. Dessa forma, haverá a verificação de seu histórico
epidemiológico. Toda essa avaliação precisa ser feita tomando precauções para evitar
casos secundários e a detecção de possíveis contactantes que precisam ser
monitorados se a suspeita for sustentada.
Devido a estudos
sobre a malária no INI (doença que tem uma dinâmica
semelhante em relação à vigilância, mas não na transmissão), sabemos que 49%
dos pacientes febris notificados no Brasil são oriundos da África e da Ásia,
sendo a maior parte da Angola e de Moçambique. O trânsito entre o Brasil e
estes países é maior porque há grandes empresas brasileiras funcionando nesses
lugares, em especial de prospecção de minério e empreiteiras. No entanto, até o
momento, o ebola não chegou a esses países.
O Brasil
está preparado para tratar infecções ocasionadas pelo ebola?
Nosso sistema de
saúde é muito mais estruturado em relação aos países que estão em epidemia. A
relação médico-paciente lá é de 1 para 10 mil pessoas, um número totalmente
ineficiente e nós não temos isso no Brasil. Outro fator importante é a cultura
local deles, que inclui práticas bem distintas das nossas. No primeiro surto, no
Sudão, as seringas eram reutilizadas até 100 vezes no hospital, uma prática da
década de 70, em uma região paupérrima do mundo. Mais de 50% dos casos foram
relacionados a isso ou a profissionais de saúde que entraram em contato com os
seus pacientes sem proteção. Se isso não tivesse ocorrido, o surto teria sido
menor.
Na segunda
epidemia, a transmissão esteve relacionada à prática funeral de preparo dos
corpos pelos familiares, que os lavam com esvaziamento do conteúdo intestinal.
Os agentes do CDC que foram para localidade
perceberam que essa prática estava no centro da disseminação da doença e, com
muita dificuldade, fizeram um acordo para que a população realizasse essa
prática com toda segurança de contato. A epidemia reduziu depois dessa
iniciativa, pois pararam de surgir casos secundários. Ainda assim, muitas
famílias, devido à tradição, se vissem que o paciente ia morrer, acabavam
pegando o corpo e enterrando em algum local sem comunicar a ninguém.
A cultura da
caça e consumo de animais silvestres também possibilitou a disseminação da
doença, estando provavelmente relacionada ao primeiro caso da atual epidemia
também na África Ocidental. Muitas pessoas vivem da caça e da venda de carne
nos mercados locais, sendo devido a isso que uma das primeiras medidas de
controle foi interromper essa venda. No entanto, as pessoas que vivem dessa
prática comercial acabaram cruzando a fronteira e levando o problema para a
Libéria.
Nesse sentido, é
bem claro que há vários hábitos locais que nossa cultura não preconiza e que
influenciaram bastante a dinâmica da epidemia. Caso sejam confirmados casos no
Brasil, o que devemos ter aqui é uma estrutura que esteja preparada para os
eventuais óbitos, sepultamento imediato e, em alguns casos, incineração de
material utilizado durante o tratamento. Nosso desafio é ser capaz de
identificar o caso o mais rápido possível e instaurar as medidas de precaução
rígidas e manuseio seguro dos dejetos e fluídos.
As
fronteiras dos países afetados estão fechadas?
A OMS
recomenda que se evite viagens que possam ser adiadas, mas não fechou as
fronteiras para esses países, ou seja, os voos não estão interrompidos. Mesmo
que interrompa, a pessoa pode cruzar a fronteira “a pé” e pegar o avião em
outro local. Por isso é importante conscientizar as pessoas sobre a doença e os
sintomas para o controle.
O diferencial
dessa epidemia atual é que ela está afetando uma zona urbana. Antes ela ocorreu
em áreas remotas, em aldeias com menor possibilidade de trânsito de pessoas. É
válido ressaltar que o fechamento de fronteiras é uma medida extrema e muito
séria. Se lembrarmos do surto de Sars [Síndrome Respiratória Aguda Grave] na China,
aparentemente, parecia que o país inteiro tinha sido afetado, mas foi apenas
uma pequena província. A região sofreu muito com todo o fechamento em torno
dela, mais do que pela própria doença. Existem artigos científicos publicados
que indicam que o impacto financeiro matou muito mais que a própria
enfermidade. Por isso, a OMS é tão cuidadosa em elevar o
nível de alerta e realmente fechar as fronteiras, pois pode ser uma ação
ineficaz que, no fundo, leva mais dano a uma população que de fato está
precisando é de ajuda.
Com relação à
ligação do Brasil com os países afetados, na verdade, a grande questão é a
epidemia descer em direção a Nigéria, a Moçambique e a Angola, pois teremos
mais riscos. Mas muito provavelmente isso não irá acontecer, pois está havendo
uma grande mobilização internacional para o controle da epidemia.
Quem é
responsável pelo controle de fronteiras no Brasil?
O controle de
fronteiras, portos e aeroportos no Brasil, é uma atribuição da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Por
causa de doenças como a malária, já existe todo um sistema de vigilância que
estimula a chamada “busca passiva”, alertando o paciente a procurar o
atendimento se achar que está doente. Os passageiros que vem de áreas endêmicas
recebem um folder, por exemplo, com o aviso “febre pode ser malária” e o
telefone de contato dos locais que fazem a observação.
No caso do ebola, ao contrário da maioria das viroses, o período de
transmissibilidade da doença começa simultaneamente ao início da manifestação
clínica. Por isso, dificilmente alguém vai conseguir viajar já doente. Isso
torna mais fácil a identificação de casos por que é possível monitorar os
indivíduos em risco e instaurar o isolamento no momento em que ele vier começar
a ficar doente.
Fonte: IHU - Notícias
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