Abaixo,
um texto muito interessante sobre as questões que surgem nas debates sobre a relação entre a ciência e a
religião, e vicê-versa. O texto, de autoria do filósofo italiano Andrea Aguti*,
é o prefácio ao livro Religione e Scienza
do filósofo irlandês Brendan Sweetman**.
A
matéria foi publicada também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) em
maio de 2014.
Vale
a pena ler!
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IHU - Notícias
Quarta, 14 de maio de 2014
Religião
e ciência: uma introdução ao debate
Uma perspectiva atualizada, criticamente informada
e livre de posições polêmicas sobre algumas das grandes questões que são
debatidas hoje na fronteira entre religião e
ciência: publicamos aqui o prefácio escrito pelo filósofo Andrea
Aguti, da Universidade de Urbino, ao livro Religione e scienza (Ed. Queriniana), do teólogo
irlandês Brendan Sweetman.
Especialista na relação entre o método científico e
a fé religiosa, Sweetman é professor de filosofia
da religião na universidade de Kansas City (Missouri, EUA).
O artigo foi publicado no blog Teologi@Internet,
da Editora Queriniana, 07-05-2013. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Eis o
texto.
O tema da
relação entre religião e ciência é delicado e complexo. Muitas vezes, sobretudo
quando esse tema é discutido em nível público, ele é retratado como uma relação
conflituosa em que duas grandezas heterogêneas se enfrentam a partir de
atitudes totalmente diferentes e animadas por finalidades opostas.
Não são
infrequentes as representações caricaturais da primeira em termos de uma
atitude absurdamente conservadora e até retrógrada, e da segunda em termos de
uma atitude aberta sob qualquer condição ao progresso do conhecimento e livre
de todo preconceito.
Especialmente a
representação midiática dessa relação parece se alimentar de tal dicotomia que,
em muitos casos, não serve a nada mais senão a finalidades de inclinação
político-ideológica. Mesmo quando essa representação dá lugar a uma avaliação
mais circunstanciada, a questão da relação entre religião e ciência parece
ainda hoje agravada pelo destaque conferido a alguns flagrantes episódios de
conflitualidade na história moderna (entre eles, o de Galileu Galilei, mas também o confronto
polêmico entre criacionismo e teoria da evolução darwiniana), por uma difusa
desconfiança e ignorância recíprocas e por um uso, em muitos casos,
instrumental da ciência, que visa a defender posições que são puramente
ideológicas.
Soma-se a isso que
esse tema apresenta uma notável complexidade, devido ao fato de que não é fácil
desenvolver competências em ambos os âmbitos e sobretudo saber utilizar essas
competências para conectar religião e ciência de modo significativo, isto é, de
modo a não produzir apenas a impressão de uma aproximação extrínseca ou de uma
apressada conciliação que evita os problemas mais prementes.
A especialização
do saber que caracteriza a era moderna, que em si é um fato positivo, torna
complicado um real diálogo interdisciplinar, porque o método e as práticas das
disciplinas individuais são muito diversas e convidam a cultivar o próprio
setor de pesquisa em vez de se aventurar no atravessamento das fronteiras de
uma disciplina à outra, sem falar da elaboração de uma visão de síntese.
O tema da
relação entre religião e ciência, no entanto, também é, apesar dessas
dificuldades, fascinante e atual. Religião e ciência, de fato, constituem dois
modos de conhecer a realidade e de descobrir um sentido nela e, assim, de
satisfazer uma inclinação e uma necessidade fundamentais do homem. Como tais,
elas podem entrar em conflito, mas não necessariamente devem fazê-lo.
Ao contrário,
como a história de muitos cientistas crentes demonstrou no passado e demonstra
ainda hoje, elas parecem estar em uma relação de complementaridade em que o
conhecimento da realidade que a ciência é capaz de oferecer, levada a um certo
nível, desperta, por conta própria, interrogações adicionais (as chamadas
"questões últimas") que também são de competência da religião ou, em
todo caso, às quais a religião pode oferecer uma resposta plausível.
Entre essas
interrogações estão aquelas sobre o porquê da existência do mundo, sobre o
sentido da vida, sobre o destino final do homem, sobre a existência ou não de
Deus. Alguns poderão argumentar que a cultura pós-moderna se tornou surda a
interrogações desse tipo, mas isso não é verdade, como demonstra justamente a
renovada atenção em relação ao tema da relação entre religião e ciência, que é
atestada pelo florescimento dos relativos ensinamentos acadêmicos em
prestigiadas universidades de todo o mundo (especialmente anglo-americanas), a
partir da atividade de pesquisa nesse setor por parte de institutos, fundações,
associações e por um número crescente de publicações dedicadas ao assunto.
Esse fenômeno se
explica, por um lado, pelo fato de que uma compreensão da ciência que considera
esta como o único instrumento completo e válido de conhecimento sobre a
realidade parece ser hoje, por motivos filosóficos, éticos e científicos, muito
menos plausível do que há um tempo (embora ainda sustentada em certos setores),
e, por outro, pelo fato de que, em âmbito religioso, cresceu a consciência de
que, no contexto da cultura contemporânea, onde a ciência desempenha um papel
importante, não é possível ignorar os problemas, mas também as oportunidades,
que a visão científica do mundo coloca à religiosa.
E isso não
apenas em função de uma justificação racional das asserções religiosas ou de
uma melhor comunicação da mensagem religiosa, mas também de uma compreensão
mais adequada da natureza desta última.
Por esses motivos,
pareceu-nos útil propor ao público italiano o texto de Brendan
Sweetman que aqui apresentamos. Este texto possui, de fato, ao
menos três características que o tornam, em nossa opinião, uma ótima
contribuição sobre o assunto e que o diferenciam de outros já existentes, que
também têm a sua utilidade.
Em primeiro
lugar, porque se trata de um texto informado e abrangente que, depois de um
sintético reconhecimento histórico dessa relação, aborda, de modo claro e
isento de tecnicismos, mas nem por isso banal, os principais temas que o
substanciam, como a questão das características do conhecimento científico e
dos seus limites, o desafio ao teísmo colocado pela teoria da evolução, a
presença ou não de um projeto no universo, se Deus pode ser considerado como a
causa última do universo, de que modo a ciência modifica a tradicional
compreensão da natureza humana, quais desafios éticos surgem do progresso
científico-tecnológico e se a ciência pode responder a eles.
Em segundo
lugar, porque o texto aborda o tema da relação entre religião e ciência a
partir de uma perspectiva que não é, como habitualmente acontece, a do teólogo
ou do cientista, mas sim do filósofo da religião, isto é, daquele que não se
coloca o problema de defender uma ou outra perspectiva ou de tentar uma
conciliação entre elas, mas sim de examinar as principais problemáticas
inerentes à relação entre religião e ciência, mostrando a sua relevância
universal teórica e prática.
Em terceiro
lugar, porque o texto, embora considerando o modelo do conflito entre religião
e ciência como superado em favor de um modelo do diálogo ou da integração, está
atento para considerar os motivos que levam alguns, ainda hoje, a defender com
base na ciência uma visão naturalista do mundo, isto é, uma visão que exclui,
não apenas do ponto de vista metodológico, mas de princípio, causas
sobrenaturais como possíveis explicações do que acontece no mundo.
Ao contrário, o
debate com o naturalismo que traz como apoio das próprias teses argumentos
científicos é, em certa medida, o fio condutor que conecta o tratamento dos
diversos temas abordados no livro de Sweetman, um debate em que são
trazidos bem à tona os motivos reais, embora às vezes não explicitados, que
geram a impressão de um conflito permanente entre religião e ciência.
O desejo é que
este texto, que se dirige principalmente a leitores não especialistas, a
estudantes universitários e a todos aqueles que têm um interesse em relação a
esse tema, também permita ao leitor italiano adquirir uma perspectiva
atualizada, criticamente informada e livre de posições polêmicas sobre algumas
das grandes questões que são debatidas hoje na fronteira entre religião e
ciência.
*************************
* DR ANDREA Aguti é um filósofo italiano e escritor.
** DR
BRENDAN Sweetman é um filósofo e escritor. Um nativo de Dublin, na Irlanda, ele
é professor de Filosofia na Universidade de Rockhurst, Kansas City, Missouri,
EUA. (In: http://rockhurst.academia.edu/BrendanSweetman).
Fonte: IHU - Notícias
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