Trago hoje
para o blog Indagações-Zapytania um excelente artigo do jornalista
italiano Gerolamo Fazzini*, que recorda a figura do saudoso dom Hélder Câmara, falecido
há exatamente 15 anos.
A
matéria foi publicada recentemente na revista Popoli e, posteriormente, também
no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Para
quem quiser conhecer um pouco mais ou mesmo relembrar mais detalhes sobre a
vida do Dom Hélder Câmara - aqui tem uma grande oportunidade.
A presente postagem não deixa de ser também mais uma forma de justa homenagem a esse grande santo do povo brasileiro - Dom Hélder Câmara.
A presente postagem não deixa de ser também mais uma forma de justa homenagem a esse grande santo do povo brasileiro - Dom Hélder Câmara.
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IHU - NOTÍCIAS
Quarta, 27 de agosto de 2014
Recordando dom Hélder Câmara
Eis
o texto.
Morria no dia 27 de agosto há 15 anos Hélder
Câmara, um dos bispos latino-americanos mais amados, graças à
sua paixão por uma Igreja pobre e dos pobres, à sua atenção pelas pessoas e à
sua fé encarnada. O retrato de um pastor que pode ser certamente considerado um
precursor do Papa Francisco.
“O bispo vermelho Câmara na via da beatificação”, clamava Il
Messaggero de 29
de maio passado. Um título que exalta como uma parte da opinião pública acolheu
a notícia da iminente abertura do processo canônico que poderia conduzir aos
altares dom Hélder Câmara,
arcebispo de Olinda-Recife. Entre os protagonistas da história
recente (não só eclesial) da América Latina, o próprio Câmara, por toda a sua
vida, precisou fazer as contas com aquela pesada etiqueta: “Quando dou de comer
a um pobre, me chamam de Santo –
é uma de suas frases passadas à história – mas, quando pergunto por que os
pobres não têm comida, então me chamam comunista”.
Curioso: também o Papa
Francisco, respondendo às perguntas de um grupo de jovens
belgas, há poucos meses havia esclarecido: “Escutei que uma pessoa disse: com
todo este falar dos pobres, este Papa é um comunista! Não, esta é uma bandeira
do Evangelho, a pobreza sem ideologia; os pobres estão no centro do Evangelho
de Jesus”.
Eis: se há um
motivo pelo qual valha a pena hoje, a 15 exatos anos da morte, reevocar a
figura de dom Hélder –
nascido em 1909 e falecido aos 27 de agosto de 1999 -, é sua paixão pelos
pobres, o seu extraordinário empenho para tornar a Igreja mais fiel àquela de
Jesus: “Uma Igreja pobre para os pobres”. Nisto se pode afirmar, sem temor de
desmentidos, que Câmara antecipou o Papa Bergoglio.
O pequeno Bispo
Recebemos repetidas confirmações em Recife.
A Igreja das Fronteiras, junto à qual ficava a
residência de Câmara, é ainda hoje o coração pulsante de sua
memória. Na praça fronteiriça uma estatuado “bispinho” (como era apelidado), te
acolhe de braços abertos. Ao lado fica a sede do Instituto
dom Hélder Câmara. Aqui encontramos um dos membros, uma anciã,
mas lúcida senhora, Bete Barbosa, que trata das publicações de Câmara:
“Em muitos comportamentos e palavras do Papa Francisco –
diz – encontramos acentos semelhantes àqueles de dom Hélder.
A começar pela atenção com as pessoas, por suas necessidades”.
Faz -lhe eco Luis Tenderini, de 70 anos, italiano de origem,
mas no Brasil há mais de 40 anos. Como longo braço
direito de Câmara na
diocese e fundador de Emaús Recife, por encorajamento do próprio dom
Hélder, se faz de guia precioso e conta: “Desde o primeiro
encontro pessoal com ele, em julho de 1979, quando me convidou a colaborar na
atividade pastoral, recordarei sempre o gesto final: terminado o colóquio, me
acompanhou ao portão de saída, esperando que eu dobrasse a esquina antes de
reentrar. Mais tarde descobri que fazia a mesma coisa com todos que o
visitassem”.
Outro traço que associa decididamente o atual Papa e o “bispo vermelho” é
o estilo de sobriedade extrema e a distância sideral daquela mundanidade que Bergoglio não cessa de indicar como um dos males
da Igreja
atual. Hoje impressiona a decisão de Francisco de viver num modesto alojamento em Santa
Marta, renunciando ao tradicional apartamento pontifício. Mas, dom
Câmara havia
feito o mesmo, anos antes, decidindo morar em dois modestos locais adjacentes à Igreja
das Fronteiras.
Também a tumba de Câmara fala
de essencialidade: uma simples laje de mármore, sobre a qual estão incisos
somente o nome e as datas de nascimento e morte, com uma pomba estilizada. Está
colocada na catedral de Olinda,
antiga cidade colonial a poucos quilômetros de Recife.
Daquela igreja, hoje meta de peregrinos e turistas, se goza de uma vista
espetacular sobre a cidade situada abaixo e sobre a inteira baía.
Mais ainda. O Papa Bergoglio fala
dos pobres como da “carne de Cristo”. Câmara, por
toda a sua vida, manifestou uma preocupação pelos últimos que, antes ainda de
assumir os tons da denúncia social, se configurava como atenção às pessoas em
gestos simples.
A propósito, eis um precioso testemunho de Marcelo
Barros, abade beneditino e teólogo da libertação, colaborador
de dom
Hélder por 12
anos: “Em cada irmão e irmã que encontrava ele via a presença divina – escreveu
há tempo em Nigrizia -. Uma vez por semana nos reuníamos em sua casa. Enquanto
falávamos, muitas pessoas batia à porta. Ele mesmo se levantava e as recebia.
Às vezes demorava em escutar. Dizia: “Procuro recebê-los pessoalmente, porque
não quero perder o privilégio de acolher o próprio Senhor”.”
Protagonista
do Concílio
É interessante observar como, da mesma forma como Oscar Romero, outro gigante da Igreja
latino-americana, também dom Câmara tenha
percorrido um caminho pessoal de “conversão”, antes de tomar as posições
corajosas que conhecemos. Nascido numa família numerosa, crescera num ambiente
eclesial antes conservador. Ordenado sacerdote em 1931, se converte aos pobres
quando, em 1952, se torna auxiliar do cardeal do Rio
de Janeiro: é naquele período que o jovem e dinâmico bispo
conquista na área o epíteto de “bispo das favelas”.
O carisma de dom Hélder se dilata rapidamente fora dos limites
da cidade. Em 1952 ele está entre os promotores da Conferência
episcopal brasileira, da qual se torna secretário por 12 anos.
Três anos depois, lança no Rio a
convocação da primeira Conferência dos bispos latino-americanos, da qual
nascerá o CELAM (Conselho Episcopal
Latino-americano).
Em 1964 – ano do golpe que instaura o regime militar no Brasil –Câmara é nomeado arcebispo de Recife,
capital de Pernambuco, no Nordeste, a região mais pobre do País. No dia do
ingresso oficial, o novo arcebispo não quer ser acolhido dentro da catedral,
mas na praça, no meio do povo. Nos anos subseqüentes o empenho de dom
Hélder a serviço
dos mais débeis continuará sem descanso, com tomadas de posição corajosas, que
o tornarão famoso em todo o mundo. Uma frase retoma eficazmente o sentido
profundamente evangélico de suas batalhas: “A
revolução social da qual o mundo necessita não é um golpe de Estado, não é uma
guerra. É uma transformação profunda e radical que supõe Graça divina”.
Embora sem jamais tomar a palavra durante as sessões de trabalho, foi um
dos protagonistas do Concílio Vaticano II, entre os inspiradores do
famoso “Pacto das
catacumbas”: para entender o papel crucial basta ler
suas circulares coletadas em Roma, duas da manhã (São
Paulo 2011). Em 1970 o Sunday Times chegou
a definir dom Hélder “o homem mais influente da América Latina após Fidel
Castro”.
O paradoxo é que o interessado não havia projetado uma “carreira” de
profeta. Antes, na idade de 34 anos, num momento de desconforto, havia escrito:
“Atravessarei a vida sem deixar nenhum sinal incisivo. Olharei de longe são Francisco
Xavier, sem poder imitá-lo. Ainda de mais longe olharei para
são Francisco de Assis.
No meu funeral qualquer um dirá que não produzi tudo aquilo que poderia ter
produzido”.
Hoje sabemos bem que não é assim: Câmara, de fato, é enumerado entre aqueles que
imprimiram uma virada decisiva à Igreja do nosso tempo. Bastem estas últimas
palavras para mostrar sua atualidade: “Se Marx tivesse
visto em torno de si uma Igreja encarnada, continuadora da encarnação de
Cristo; se tivesse vivido com cristãos que amavam, de modo real e de fato, os
homens como expressão por excelência do amor de Deus, se tivesse vivido nos
dias do Vaticano
II, que reassumiu tudo o que de melhor diz e ensina a teologia
sobre as realidades terrestres, Marx não teria apresentado a religião como o
ópio dos povos e a Igreja como alienada e alienante”.
Os prêmios e a rede
A casa canônica de dom Hélder Câmara tornou-se hoje um museu. Mais ainda do
que a Catedral
de Olinda, onde se encontra a tumba, é ali que em cada domingo
uma pequena multidão se reúne para ver o pequeno estúdio do bispinho, com a
biblioteca (onde ainda se destacam volumes de Guitton, De Lubac, M. L. King, Frère Schutz, Garaudy) e o
quarto, onde ainda está presa a coloridíssima rede que ele usava nos últimos
tempos para dormir.
No andar superior foi armada há pouco tempo uma exposição permanente de
objetos que contam a vida intensa deste personagem, entre as vozes mais
autorizadas do mundo na denúncia das injustiças e do subdesenvolvimento.
Atestam-no os numerosíssimos reconhecimentos internacionais, das medalhas à
cidadanias honorárias, às láureas honoris causa de variadas instituições
acadêmicas de todo o mundo, conservados no pequeno museu.
_____
*Gerolamo Fazzini (Verona, 1962) é
jornalista, editor do mensal do Mondo e Missione e do site MissiOnLine, lidera PIME (Pontifício
Instituto das Missões Exteriores). Durante seis anos, ele foi o coordenador da FESMI
– Federação da Imprensa Missionária Italiana.
Desde 1985, escreve para o jornal Avvenire, onde nos anos 1997-2001 trabalhava como chefe de
informação religiosa. Dirigiu um semanário local, Il Resegone, em Lecco, cidade onde vive, com sua esposa e dois
filhos.
Viaja ao encontro de outros povos, outras igrejas e outras
religiões.
Escreveu vários livros, entre eles O Livro Vermelho dos mártires chineses (São Paulo 2007), com
prefácio do cardeal Joseph Zen, traduzido em quatro línguas. [ In: facebook.com]
Fonte: IHU - Notícias
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