Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Que viva Deus Uno e Trino nos corações de todas as pessoas.

Que  viva  Deus  Uno e  Trino
em  nossos  corações
e  nos  corações
 de todas as pessoas.
(Oração predileta do Santo Arnaldo Janssen e de suas Congregações)

Domingo da Santíssima Trindade. Celebramos  Deus Uno e Trino. Mesmo que saibamos muito pouco sobre o Mistério do Deus Infinito, esse pouco é suficiente para dar sentido à nossa existência.  O Filho de Deus, Jesus Cristo,  mesmo que invisível, permanece conosco nesta caminhada, rumo à pátria definitiva, isto é - como dizia Dom Helder Câmara - rumo ao Coraçâo de Deus Pai, que nos espera e nos ama.

Neste clima de reflexão proponho um comentário da M.  Asun Gutiérrez.  É uma reflexão muito enriquecedora e bonita.
Não deixe de ler.

[Os interessados podem ler esse comentário em PPS, acessando o site das Monjas Beneditinas de Monteserrat: http://www.benedictinescat.com/montserrat/indexceramport.html   abrindo o link Domingo da Santíssima Trindade - Reflexão do Evangelho. Trabalho muito bonito!]


 
Trindade: o Deus vivo do amor.
O Deus crucificado da compaixão,
o Deus libertador da vida,
Deus em feminino,
o Deus que rompe as cadeias,
a companhia do Deus da festa.
 Presença cálida.
Coração amante.
Palavra reveladora.
Bondade transformadora.
Espírito criador
num mundo em evolução.
José Arregi


Evangelho segundo Mateus: 28, 16-20

Os onze discípulos partiram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes indicara, e, vendo-o, prostraram-se; alguns, porém, duvidaram. E, aproximando-se,  Jesus lhes disse: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra; ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei. E eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo".

  Comentário
Celebrar a Trindade não consiste
em entender um enigma teológico.
Entende  e celebra a Trindade
quem oferece amizade,
quem constrói humanidade,
quem cultiva o perdão,
quem promove solidariedade,
quem luta pela justiça,
quem acompanha em processos de libertação,
quem não vive para si mesmo,
quem se gasta pelos outros,
quem é capaz de dar vida
e dar a vida.

A iniciativa de Jesus torna possível o encontro e a transformação interior. Os discípulos voltam à Galileia, onde tudo começou, para recuperar a vida e a palavra de Jesus.
A mim também Jesus marcou encontro. Onde me encontra? Onde e em quem O encontro?
Onde me reúno com Ele? Que lugar ocupa  o encontro com Ele e com os outros na minha vida?

Jesus sabe que a dúvida, a certeza, a luz, a escuridão... fazem  parte da fé itinerante e em crescimento. Duvidar não é impedimento para a missão.
Jesus aproxima-se sempre, fala sempre.
Este é um dos poucos textos em que aparece a fórmula trinitária.

O objetivo do envio é “fazer discípulos”. Não em sentido proselitista. Trata-se de oferecer a todos a possibilidade e a alegria de conhecer Jesus, de manter uma relação íntima e pessoal com Ele. Que é o que caracteriza e dá sentido e plenitude à vida humana e cristã.

Se desejo e anseio o encontro com Jesus tenho que me mexer, pôr-me a caminho, ir onde Ele esteve, estar com quem esteve. E continua a estar.

As breves palavras de Jesus falam de plenitude e universalidade.
A missão estende-se a toda a humanidade. Não exclui ninguém nem tem fronteiras. Jesus convida-nos a ensinar aos outros a melhor maneira de serem  realmente felizes: viver como Ele viveu.

O anúncio e a prática do Evangelho tem de levar a fazer dos que O escutem e O vejam seguidoras e seguidores de Jesus. Pessoas que busquem e encontrem a autêntica alegria e felicidade no partilhar, dando e recebendo; no empenho da construção de uma nova sociedade mais austera, mais justa, mais solidária, mais humana. Como Ele fez. 

As últimas palavras de Jesus são tão consoladoras e íntimas que nada nem ninguém poderá desanimar a quem se deixe conduzir pelo Espírito de Jesus.

Conosco caminha “até ao fim deste mundo”.
O Pai/Mãe que é doação, proteção, amor incondicional...
O Filho, a Palavra, sua imagem perfeita, proximidade, libertação, graça..,
 Deus-conosco.
O Espírito, alento, amor, força, impulso, a alegria de Deus, presente de Deus,
maternidade de Deus. Vivifica-nos, é nossa satisfação, tudo enche de dons.   Deus-em-nós.
Temos motivos para viver e transmitir a alegria de nos sentirmos pessoas habitadas e felizes.

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SEI POUCO DE TI

Sei pouco de Ti, Tu o sabes.
Pouco da tua intimidade,
pouco dos teus disfarces,
pouco das tuas reações,
pouco dos teus amores,
pouco do teu mistério insondável.
Para Te amar dia a dia,
Te deixarei ser,
não porei  entraves à tua ousadia
e embriagar-me-ei
nas tuas fontes de vida.
Como Pai/ Mãe,
mantém vivas as nossas vidas.
Como Filho,
dá-nos a fraternidade perdida.
Como Espírito – furacão e brisa -
lança-nos a tua última promessa.
Sei pouco de Ti, Tu o sabes.
Sei pouco de Ti,
abraça-me.
         

 F. Ulibarri, 

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domingo, 27 de maio de 2012

Espírito de Pentecostes


SEQÜÊNCIA

- Espírito de Deus  enviai dos céus  um raio de luz!
- Vinde, Pai dos pobres,  daí aos corações vossos sete dons.
- Consolo que acalma, hóspede da  alma, doce alívio, vinde!
- No labor descanso, na aflição remanso,  no  calor aragem.
- Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós!
- Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele.
- Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente,
- Dobrai o que  é duro, guiai no escuro, o frio aquecei.
- Daí à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sente dons.
- Daí em prêmio ao forte uma santa morte, alegria eterna. Amém.

Domingo de Pentecostes é um  dia convidativo para a reflexão. Trago, então, para este espaço, um comentário da M. Asun Gutiérrez.  É uma reflexão muito interessante.
Não deixe de ler.
WCejnog

[Os interessados podem ler esse texto em PPS, acessando o site das Monjas Beneditinas de Montesserrat:  http://www.benedictinescat.com/montserrat/indexceramport.html , abrindo o link Domingo de Pentecostes - Reflexão do Evangelho. Trabalho muito bonito!]

 
Evangelho segundo João: 20, 19-23.
 Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, colocou-se no meio deles e disse-lhes:
- A Paz esteja convosco.
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
- A Paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós.
Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
- Recebei o Espírito Santo.
Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes serão retidos.

Não recebestes um espírito de escravos para voltar a cair no temor
mas um espírito de filhos que nos faz clamar Abbá, Pai!  (Rm 8, 15)

Comentário
Pentecostes

Todos os evangelistas falam do temor que sentiram os que tinham seguido Jesus, depois da sua execução na cruz.
O quarto evangelista em particular diz-nos que o temor é o contrário da fé.  O medo impede viver uma fé que transforme a vida. O medo revela falta de amor.
Tenho medo a algo ou a alguém? Custa-me ver que o Espírito continua a atuar hoje?

Em todas as situações, Jesus se aproxima e nos oferece a sua paz.  A que liberta do medo, da velha condição de “fechados” e prepara para assumir novos desafios.

O Espírito de Jesus recria as pessoas, transforma uma comunidade cov arde e fechada numa comunidade valente, com as portas e janelas abertas.
O encontro com Jesus provoca alegria.


Paz é a primeira palavra, o primeiro desejo de Jesus ressuscitado. Renova o dom da paz, harmonia pessoal e social, coerência de vida, confiança, busca da justiça..., para sublinhar que começou um tempo novo.
O tempo do Espírito. 
Como me aproximo das pessoas?
A minha saudação, como a de Jesus, transmite alegria, proximidade, paz...?

O Enviado por excelência, envia-nos  a  todos. O Espírito enche por dentro e lança para fora.  O sopro do Espírito gera um novo modo de ser com uma missão na vida. Incumbe-nos de levar a liberdade às pessoas angustiadas, a alegria às desencantadas, a Boa Notícia a todas.

Para que sejamos a forma externa da presença, acolhimento e companhia de Deus.
Para que mostremos o seu Espírito e nas pessoas desperte a paz, a luz,  a confiança, a alegria...  sentir que nunca estão sós nem abandonadas.
Para conseguir isso é necessário deixar-nos conduzir por Ele, superar nossos medos, sair da rotina e enfrentar os desafios dum mundo sempre em mudança, sempre novo.

O Espírito de Jesus é a auto-doação de Deus.
Pelo Espírito, os discípulos ali reunidos, homens e mulheres, com Maria, sentem-se livres e libertadores.

Boa ocasião para nos perguntarmos  pelo “nosso espírito”. Que experiência tenho  da sua acção na minha vida?  Em que se nota a acção do Espírito de Jesus na comunidade de crentes?
Mostro um cristianismo apagado, SEM ESPÍRITO, baseado mais em temores, normas e medos que sobre a alegria e a força da Vida Nova?

O Espírito que Jesus nos sopra, o Ar que Jesus nos contagia, o Ânimo que Jesus nos infunde, a Liberdade que Jesus nos consegue,  a sua Alegria, a sua Paz, o seu Entusiasmo...   Ajudam-nos  viver à maneira do Espírito de Jesus. 

Juntamente com o Espírito dá-nos uma recomendação: viver a perdoar e perdoando-nos. Quem escuta e vive o Evangelho, descobre a revolução social do perdão. 
Que faço para concretizar na minha vida pessoal a missão de reconciliação universal?

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Manda-nos o Teu Espírito!

E entre tanto sussurro, brisa, e beijo,
manda-nos uma rajada de vento forte
que nos consiga despertar,
ou um furacão
que derrube os nossos muros
e consiga inquietar-nos,
pois somos muito dados
a nos acostumarmos,
a nos aclimatarmos,
a nos sentarmos,
a encaixar-te
nas nossas percepções,
gostos e necessidades. 

Põe-nos em apuros,
desmonta as nossas justificações,
lança-nos a campo aberto,
e não deixes que te manipulemos.

Manda-nos uma rajada de vento
ou um furacão, se for preciso,
para que o nosso corpo e espírito
se deixem encher e guiar
pelos teus impulsos e sonhos.

Ulibarri Fl. 


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Ave Maria do povo, Ave Maria de Deus!


As reflexões sobre a veneração de Nossa Senhora Maria, Mãe de Jesus, pelos católicos no mundo inteiro (as últimas 8 postagens),  não seriam completas  sem trazer aqui também alguns questionamentos.  É muito importante percebermos  que um olhar crítico sobre certos assuntos pode nos ajudar a construir uma opinião mais equilibrada e verdadeira sobre eles.

Trago aqui, para o blog  INDAGAÇÕES, um excelente texto da professora Sofia S. Tavares¹,  intitulado “ Maria de Nazaré”, que foi o tema da palestra proferida pela autora no XVIII Encontro Nacional de Padres casados e suas Famílias, em Ribeirão Preto (SP), em 14-01-2010.²

Assim, teremos  uma oportunidade de nos debruçarmos sobre alguns aspectos, que, talvez, passem  despercebidos para muita gente, mas  são importantes para  quem procura  a purificar a sua fé e está em constante busca da verdade vinda de Deus.
Não  deixe de ler. 
WCejnog

[Para aproveitar melhor as reflexões sobre Maria, é aconselhável  ler desde o início todas as postagens sobre este assunto (começo no dia 17 de maio de 2012: Sobre culto à Nossa Senhora e aos Santos na religião Católica).]


Maria de Nazaré 
por Sofia S. Tavares¹

Fomos habituados, desde nossa infância, em nossas famílias e ambientes católicos, a uma imensidão de nomes e títulos dados a Maria de Nazaré: Senhora da Conceição, do Amparo, da Guia, do Ó, do Bom Parto, da Mó, de Aparecida, de Lourdes, de Fátima, de Medjugorge, etc.

Em rápida busca na internet, por exemplo, consta cerca de trezentos diferentes títulos dados a Maria. É fácil notar que, na cabeça do povo, dos cristãos médios, não há clareza nem certeza se trata de uma ou de várias Nossas Senhoras.

Quem teve a oportunidade de visitar Fátima, Lourdes, Aparecida e outros santuários marianos, teve, com certeza, a oportunidade de observar a intensa fé do povo cristão em Maria, expressa em procissões, terços e, muito frequentemente, em promessas.

Numa análise simples, parece bem mais forte a fé e a crença no sofrimento do fiel promitente (ir a Fátima a pé, andando centenas de quilômetros, andar centenas de metros de joelhos nas praças dos santuários ou dando voltas em torno de igrejas e capelas, subir escadas de joelhos, etc.), do que na gratuidade do amor salvífico de Cristo. Afinal, foi Ele que deu por nós sua vida e todo o seu sangue em sacrifício perfeito, único, infinito e definitivo. E a salvação é um dom gratuito dele, não fruto de nossas penitências.

Dá também para notar que o culto a Maria e a Mariologia a ele subjacente, tão clara e explicitamente aceitos e tão fortemente difundidos e inculcados nos escritos dos santos, dos papas e bispos, na formação dos seminários e casas religiosas, bem como nas homilias e sermões, deixam no ar bastantes dúvidas teológicas.

Frases como: “sobre Maria nunca se dirá o suficiente”, “quem reza todas as noites três ave-marias está salvo”, “Maria é medianeira de todas as graças”, bem como todas as invocações da Ladainha de Nossa Senhora deixam qualquer cristão com um mínimo de senso crítico com as orelhas em pé e se perguntando para onde foi a centralidade teológico-litúrgica do Mistério de Cristo, único Salvador e único Mediador.

Perante toda essa confusão teológica e cultual, para tentar esclarecer um pouco as ideias básicas da Mariologia escolhi, para expor neste Encontro Nacional do Movimento dos Padres Casados e suas Famílias -MPC- dizer algumas coisas simples e básicas sobre Maria de Nazaré e comparar a Maria dos Evangelhos com a Maria da piedade católica.

Maria de Nazaré tornou-se, na Igreja, uma mulher símbolo da pureza e virgindade, um modelo de devoção exacerbado, bem longe da Maria apresentada pelo Evangelista, que, atenta e preocupada com a felicidade dos noivos, avisa Jesus de que o vinho ia acabar, nas bodas de Caná, e, mesmo com a resposta evasiva de Jesus, diz com firmeza: “Façam o que ele mandar” (Jo 2,5).

Ela, com certeza, não entendia muita coisa do que fazia e dizia o seu Filho, desde o desaparecimento dele em Jerusalém, aos 12 anos, quando, voltando à cidade santa, após um dia de viagem, à procura dele, o encontraram no templo “sentado entre os doutores, ouvido-os e interrogando-os” (Lc 2, 47).
E ele, interpelado por ela, lhe deu uma resposta meio atravessada, afirmando categoricamente sua relação essencial e primordial com seu Pai… E “sua mãe conservava todas essas coisas em seu coração…” (Lc 2, 48-51).

Quero, então, nesta tarde, pegar esta figura bíblica da mulher nazarena, Maria, que hoje, a meu ver, está sendo usada de forma errônea: ora excessivamente venerada e quase adorada pelos católicos pouco evangelizados e catequizados, ora desconsiderada e ultrajada pelos protestantes, chegando ela, a mãe do Salvador, a ser disputada pelos exageros extremistas de ambas as partes.

Lamentavelmente Maria é ponto de discórdia na Igreja de Cristo, hoje separada em vários ramos, todos eles com algo de verdade, de autenticidade e de valores, mas também de limites, contradições e erros doutrinais e, sobretudo, práticos: morais, pastorais, relacionais, etc.

Maria, foi a mulher mais exaltada sobre a terra, a bem-aventurada, no dizer de  Lc 1, 45, a mãe de Deus, conforme o anjo afirmou em Lc 1, 35b: “o santo que vai nascer de você será chamado Filho de Deus”. 

Mãe de Deus é, para Maria, o título por excelência, o mais elevado no elenco das centenas de nomes por ela recebida nestes dois milênios de Cristianismo.

Por isso ela não precisa ser envolvida nos mitos de Fátima, Lourdes, Medjugorie, etc., em supostas aparições em que apenas manda rezar e fazer penitência, não adverte a humanidade para fazer a vontade de seu filho no serviço amoroso e solidário aos irmãos, conforme Mateus propõe em 25, 31-46: tive fome, tive sede, estive nu, estive preso…

A mulher, virgem prometida em casamento a um homem chamado José, (Lc 1, 27), sentiu-se suficientemente livre para desafiar sua cultura, seus costumes e tradições, correr o risco de ser morta por apedrejamento, conforme a lei do seu povo, e aceitar o anúncio “sacrílego” do Anjo Gabriel para ser a mãe do Salvador.

Por que, então, reduzi-la, como fazem tantos segmentos católicos, a apenas um símbolo e modelo de pureza e virgindade, títulos pobres e desumanizantes, que ampliam a distância dela em relação às mulheres comuns de todas as índoles, de todos os tempos e de todo a terra, e que levam a vê-la como apenas uma imagem de mulher santa, inatingível?

Pior ainda: de uma piedade piegas, nada teológica nem bíblica, eternamente lacrimosa, pessimista e ameaçadora com as penas do inferno, sempre se queixando que seu Filho está muito triste e sofrendo muito e que é preciso rezar e fazer penitência para desagravar seu Sagrado Coração…

Aquela mulher que o evangelho nos mostra, toma o partido dos pobres no magnificat: “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes”, (Lc 1,52). Essa Maria da vilazinha de Nazaré fica três meses com Isabel para lhe dar apoio na sua gravidez de risco. Numa convivência de duas mulheres vivendo a mesma situação de gerar um filho em condições fora da normalidade, em idade oposta, uma idosa demais, outra nova demais. Essa mulher pobre do povo, decidida, espera que os famintos se encham de bens (Lc 1,53), acredita num mundo melhor. Despojada, acompanha seu filho; sábia, espera, na fé, a clareza da missão de Jesus, que não é evidente para ela; forte, conhece de perto a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio (Mt 2, 13-23). Enfim, essa mulher pé no chão, sensata, sensível, corajosa, amorosa, preocupada com os outros. 

Mas que, pela sentimentalidade, leniência pastoral e fraqueza teológica de quem devia cuidar da sadia fé do povo, há muito se perdeu para o mundo das aparições miraculosas, melosas e que induzem a uma piedade intimista, sem esperança, sem elã apostólico e sem alegria.  Bem longe do que dela pensa e propõe Leonardo Boff em “O rosto materno de Deus”: Maria se patenteia como mulher libertadora. Prolonga a linhagem das mulheres heróicas do Antigo Testamento que se haviam comprometido com a justiça de Deus e dos seres humanos como Débora (Jz 4-5) ou Judite (13,20; 15,9).

Sob o ponto de vista devocional, não há hoje nada que se compare com a nazarena original, a Maria dos evangelhos, reconhecida com primeira cristã e primeira discípula do seu Filho Jesus.

O conteúdo crítico e libertário presente e tão claro no canto do Magnificat, foi totalmente esvaziado.

A Maria mulher corajosa, forte, comprometida com o bem dos outros em suas necessidades (visita a Isabel, preocupação com a vergonha dos noivos nas bodas de Caná), comprometida com as injustiças histórico-sociais contra os pobres, deu lugar aos fenômenos de provável histeria coletiva de Lourdes, Fátima e, ultimamente, ao estranhíssimo e rentável fenômeno das aparições sem fim, as de Medjugorge, que já duram décadas, como se revelação divina estivesse incompleta no Novo Testamento e não tivesse terminado no Apocalipse.

Perante fenômenos como esses, como não dar razão à grave, mas tantas vezes verdadeira real e comum acusação de Feuerbach e de Marx, de que a Religião é o ópio do povo, a droga que anestesia as mentes em busca de fuga do sofrimento, de refúgio pessoal, e conforto e deleite para suas almas?

Em vez de uma espiritualidade sólida bem baseada na Bíblia e na sadia Tradição, com conotação universal, é brindados com espiritualidades superficiais, insossas, sentimentalistas, muito personalistas e intimistas, sem nenhuma relação direta com a construção do Reino de Deus e a melhoria da Justiça, da Solidariedade e da Fraternidade humanas.

A nossa Igreja está hoje cheia de pequenas seitas de cunho conservador, inclusive o marianismo avulso, que nada tem a ver com a Igreja, Cristo e o Reino de Deus; que se alimenta de procissões, de visita de imagem de Fátima, de casa em casa, conduzida pelos chamados Arautos do Evangelho, vestidos a caráter. E que nossos bispos vão aceitando ou até incentivando.

A minha fala não pretende tirar o real valor daquela que “achou graça diante de Deus” e que foi a escolhida, a preferida para trazer à terra o Filho do Altíssimo. Minha intenção não é endeusá-la, mas simplesmente fazer compreender sua participação na História da Salvação: como aquela que entrega seu Filho para a humanidade, aquela que diz:  - Façam tudo o que ele vos disser.

Títulos como Medianeira, Co-redentora, etc., não só contribuem muito para uma grande confusão teológica (há um só Mediador e um só Redentor), mas também atrapalham muito o diálogo ecumênico.

Alguém disse, recentemente, que a Igreja, de há uns séculos para cá, em vez de seguir e pregar a Boa Nova de Cristo, seu único fundamento, e de construir o Reino de Deus, guiada pelo Espírito Santo, se desviou e fundou outra Igreja, baseada em dois grandes princípios: o Papa e a Virgem Maria.

A afetividade masculina sempre foi e continua a ser um grave problema mal resolvido em homens celibatários à força que, muito dificilmente chegam a uma boa integração humana e à maturidade afetivo-sexual. Por isso, alienar essa tremenda força na figura da puríssima, virginal e inatingível Mãe de Deus e quase semideusa Maria, foi, muito provavelmente, uma boa estratégia para não enfrentar o sério problema do Poder na Igreja, que, sem o cato elibobrigatório de seus dirigentes, seria quase impossível gerir com eficiência. Nesse sentido, a construção ideológica de um marianismo exacerbado na Igreja, foi e continua a ser muito conveniente à forte estrutura de poder em que continua a se alicerçar a Igreja Romana.

Será que este endeusamento do celibato, não está profundamente ligado ao medo e pavor de amar uma mulher de verdade e, nessa convivência, ter de repartir com o gênero feminino os eternamente tão bem guardados “valores” de um machismo que continua se eternizando na hierarquia católica?

O medo de ter de repartir os bens materiais da Igreja com esposas e filhos de clérigos, argumento aduzido por alguns como o mais forte para explicar o apego ilimitado da Igreja ao celibato obrigatório da hierarquia, é bem mais fraco do que o pavor de ter de repartir afetos, corpo e alma com uma mulher que, queiramos ou não, iria querer mandar também: a não ser que, como os muçulmanos, afirmemos que homem vale mais do que a mulher…

Se isso for verdade, está explicado o profundo e irracional apego ao celibato obrigatório do clero e a ojeriza dos papas, cardeais, bispos e alguns padres ao celibato opcional e seu ódio ao casamento dos padres e à ordenação de mulheres.  E não adianta continuar a conversa para boi dormir de que “o celibato é muito conveniente ao estado sacerdotal”. A história, a sociologia e a psicologia, sem falar dos imensos e sempre mais comuns e universais escândalos sexuais do clero, estão aí, bem patentes, para negarem essa afirmação puramente ideológica, para não dizer mentirosa e de má fé.

Fica, assim, mais que evidente que o MPC é, sim, um movimento profundamente profético e desestabilizador do “status quo” dessa hierarquia que, em vez de se fundamentar na simplicidade dos Evangelhos, preferiu, a partir do séc. IV, se fundamentar e se estruturar conforme os costumes, ritos e modismos do Império Romano: basílicas (casa do rei!), monsenhores, bispos, cardeais e papa com vestes suntuosas e de cores berrantes, avantajada cruz de ouro no peito, templos, príncipes, poder temporal, eliminação dos inimigos, dos que pensavam diferente, etc.

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¹ Sofia S. Tavares. Licenciada e Especialista em Filosofia. Formada em Teologia.
Professora aposentada de UFMA
² Este texto foi revisado pela autora para publicação. Uso livre, citando a fonte.


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“Não ter medo de honrar Maria como a Mãe de Nosso Senhor...” - Kimberley

Na postagem anterior  apresentei o texto do livro de Scott e Kimberly Hahn: “Todos os caminhos vão dar a Roma”, com o depoimento do Scott Hahn. Agora vem o depoimento da Kimberley Hahn – esposa do Scott.
É uma leitura fascinante. Não deixe  de ler.
WCejnog

[Para aproveitar melhor as reflexões, é aconselhável  ler desde o início todas as postagens sobre  a devoção a Nossa Senhora e aos Santos na religião Católica (começo no dia 17 de maio de 2012).]


Kimberly:

(...) Realmente, começávamos, Scott e eu, a ter diferentes convicções: em parte porque eu estava muito ocupada, e grávida do nosso segundo filho, e em parte porque não me interessava o que o Scott fazia. Tinha a certeza de que ele se estava a afastar para uma margem, mas que por fim voltaria atrás. O importante para mim era manter-me firme.

Uma noite acordou-me, entusiasmado com um pensamento:
- Kimberly, dás-te conta de que estamos rodeados aqui e neste mesmo momento por Maria, os santos e um sem número de anjos?

Reagi de imediato:
- No meu quarto não! Nem pensar!

O que o Scott dissera perturbou-me. Maria? Pensava muito nela naquela época. Parecia que os católicos se centravam em Maria como nós, os protestantes,  nos centrávamos em Jesus. Era a pessoa acessível; podíamos esconder-nos nas pregas do seu manto, em vez de encarar o rosto severo de Deus Pai.  Maria era como a grande porta das traseiras para obter o favor de Deus, enquanto Jesus continuava a ser a incômoda porta principal. Repugnava-me pensar nessas coisas.

Tinha lido em certa ocasião algo sobre um homem que estava a reparar o teto de uma bela capela italiana, e que um dia viu entrar uma americana que começou a rezar na igreja. Pensou que podia passar um bocado divertido, e começou a dizer lá de cima: “Sou Jesus”. A mulher não fez caso. Falou, então, um pouco mais alto: “Sou Jesus”. Nenhuma resposta. Por fim o homem disse ainda mais alto: “Sou Jesus”. A mulher olhou para cima e gritou: “Cala-te!” Estou a falar com a tua mãe!”

A minha impressão pessoal sobre o modo como os católicos consideravam Maria fazia-me pensar que estavam a substituir o amor, a devoção e a adoração devidos a Jesus pelo amor, a devoção e até a adoração a Maria. Exprimi esta preocupação ao Scott, que a rebateu fazendo-me notar o quase total abandono a que os protestantes a votavam, ao ponto de nem sequer falarem dela, apesar de ter sido, pelo menos, a escolhida, a mulher mais privilegiada de todos os tempos, que levou no seu seio o Filho de Deus e lhe deu a sua natureza humana. Talvez os protestantes pensassem que assim compensavam a excessiva atenção que lhe dedicavam os católicos.

Quando me convidaram a falar no jantar de Natal das senhoras da Igreja, o Scott animou-me a falar de Maria. Preparei então um estudo sobre Maria como mulher de Deus, sem expor nenhum dos conceitos católicos sobre ela (nos quais ainda não acreditava). Disse-lhes que não tivessem medo de a honrarem como a Mãe de Nosso Senhor, pois Jesus era ao mesmo tempo Filho de Deus e Filho de Maria.

Assim que acabei a palestra, as duas esposas dos pastores cantaram What Child is this?, mudando propositadamente as últimas palavras da estrofe: em vez de “o bebê, o Filho de Maria”, cantaram “o bebê, o Filho de Deus”, porque, pouco antes do jantar, um dos pastores tinha expressado a sua preocupação de que a  letra original exagerasse a honra atribuída a Maria. Que belo exemplo para ilustrar a minha palestra!

Recordei uma aula no seminário em que o Dr. Nicole disse que um Concílio Ecumênico tinha definido Maria  como Theotokos, Mãe de Deus. Ao princípio aquilo ofendeu-nos – Ela não tinha criado Deus! – mas ele esclareceu rapidamente o sentido desta afirmação: era necessário para a nossa salvação que Jesus fosse tão plenamente humano como plenamente divino: duas naturezas numa só Pessoa, a de Deus Filho. Portanto, posto que Maria é a fonte da sua natureza humana, ela é a mãe de Jesus; e posto que Jesus é Deus, ela é a mãe de Deus. Não havia, portanto, razão para nos escandalizarmos com esta verdade – recalcava o Dr. Nicole – já que era a garantia da nossa salvação.

Um dia, ao entrar na sala de jantar, o Scott disse-me:
- Tenho andado a  ler uma grande quantidade de livros católicos ultimamente. Talvez Deus me esteja a chamar à Igreja Católica.
- Não poderíamos ser episcopalianos? -  foi a minha resposta imediata.
Tal como estavam as coisas, preferia continuar a ser protestante como episcopaliana  do que tornar-me católica.  Ele sorriu, dando a entender que compreendia a razão da minha pergunta. Depois pediu-me que rezasse por ele. (...)
   
Contudo, ainda tinha grandes objeções para me converter, especialmente sobre Maria. O Scott compreendia-me muito bem; ele também passou pelo mesmo. Quando soube que o Dr. Mark Miravalle ia fazer uma apresentação sobre Maria na Universidade, convidou-me para a conferência. Pensei que não era má ideia assistir à exposição, variando assim os enfrentamentos nos quais o Scott e eu costumávamos cair.

Nem tudo o que ouvi me agradou;  fiquei com muitas perguntas. Mas também não estava à defesa, como anteriormente. Ouvi o Dr. Miravalle esclarecer o que a Igreja Católica  ensina sobre Maria.
Primeiro, que ela não é uma deusa: é digna de louvor e veneração, mas não de adoração, pois esta só é devida a Deus.
Segundo, que a Maria é uma criatura formada de uma maneira única pelo seu Filho, como nenhuma outra mãe tinha sido nem será depois dela.
Terceiro, que Maria se regozijou em Deus seu salvador, como ela própria afirma no Magnificat, porque foi  preservada do pecado por Jesus, desde o momento da concepção. Por outras palavras, a sua impecabilidade era um dom de graça que a salvou antes de pecar. (Na realidade, Deus salvou muitos de nós de uma libertinagem feroz antes de cairmos nela; talvez tivesse salvo Maria ainda antes.)
Quarto, o título de Maria como Rainha do Céu não derivava de estar casada com Deus – como eu pensava, baseava-se na honra de ser a Rainha Mãe de Jesus, o Rei de Reis e Filho de  Davi. No Antigo Testamento, o rei  Salomão, filho de Davi, elevou-lhe homenagem na sua corte como Rainha Mãe. No Novo Testamento, Jesus elevou a Sua mãe, a Bem-Aventurada Virgem Maria, colocando-a no trono que está a Sua direita no Céu, animando-nos a render-lhe homenagem como Rainha Mãe do Céu.
Quinto, a missão de Maria era apontar para além dela, para o seu Filho, dizendo: “Fazei o que Ele vos disser”.

Dei-me conta então de que certos exemplos de piedade mariana, que se centravam demasiado  em Maria, ao ponto de negligenciarem Jesus, talvez não correspondessem aos ensinamentos católicos sobre ela. Talvez as boas almas que faziam isto nem sequer se dessem conta de que estavam a ofender a Virgem Santíssima com as  suas tentativas de a honrarem, ao descuidarem a missão primária de Maria que  é conduzir-nos ao seu Filho.

Quando o Scott e eu voltamos a casa nessa noite, tivemos um belo debate sobre as afirmações de Dr. Miravalle. Ele acrescentou uma descrição de Maria como a obra  prima de Deus, que me pareceu muito  útil.
- Maria é a  obra prima de Deus. Já alguma vez foste a um museu onde um artista tenha em exposição as suas obras? Achas que ele ficaria ofendido se entretivesses a olhar para o  que ele considera a sua obra prima? Ficaria ressentido se ficasses a contemplar a sua obra em vez de o contemplares a ele? “Ouve lá, é para mim que tens que olhar!” Em vez disso, o  artista sente-se honrado pela atenção que prestas à sua obra. E Maria é a obra por excelência de Deus,  do princípio ao  fim.
O Scott prosseguiu:
- E se alguém elogia um dos nossos filhos na tua presença, interrompe-lo para dizer: “eu sou o seu dono”?... Não, sentes-te honrada quando os nossos filhos são admirados. Do mesmo modo, Deus é glorificado e honrado quando os seus filhos são admirados.

Com estas considerações fiz a minha oração aquela noite, e pela primeira vez perguntei a Deus o que pensava de Maria. As frases que vieram ao meu coração foram estas: “Ela  é a minha filha amada”, “a minha filha fiel”, “a minha preciosa vasilha”, e “a minha arca da Aliança que leva Jesus ao  mundo”.

Não podia entender porque é que os católicos davam a impressão de adorar a Maria, mesmo sabendo  eu que a  adoração a  Maria era claramente condenada pela Igreja. Veio-me então à cabeça esta ideia: a questão está no que se considera adoração.

Os protestantes definem a adoração em termos de cantos, louvores e pregações. Assim, quando os católicos cantam a Maria, lhe dirigem súplicas através da oração e pregam sobre ela, os protestantes interpretam que está a ser adorada. Mas os católicos definem a adoração como o sacrifício do corpo e do sangue de Jesus, e nunca ofereceriam um  sacrifício de Maria ou a Maria sobre o  altar. Estas reflexões foram um benéfico alimento para a minha alma.¹  (...) 

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¹ HAHN Scott e Kimberly. Todos os cominhos vão dar a Roma. Lisboa 2006, Ed. Diel, 6ª ed. pp. 99-101 e 166-168.

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sábado, 26 de maio de 2012

“Quer dizer que já adoras Maria, não, Scott?”


Para completar as reflexões sobre a devoção à Maria no catolicismo, apresentadas nas últimas seis postagens do blog Indagações, considero interessante trazer agora, para este espaço, dois depoimentos emocionantes sobre Maria, Mãe de Jesus. São textos tirados do livro de Scott e Kimberly Hahn: “Todos os caminhos vão dar a Roma”.

Os autores do livro são pastores presbiterianos norte-americanos, que contam sobre a sua conversão ao catolicismo. Eles estudaram a fundo as questões duvidosas  e todos os argumentos  que os seguravam longe da Igreja Católica. O marido se converteu em primeiro lugar. A sua esposa ficou muito desolada, mas, depois de algum tempo, ela também abraçou a fé católica. É um livro muito interessante.

Nesta postagem – o testemunho do Scott Hahn.  (O depoimento da Kimberly Hahn será apresentado na postagem seguinte.)
Não deixe  de ler.
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[Para aproveitar melhor as explicações, é aconselhável  ler desde o início todas as postagens sobre este assunto (começo no dia 17 de maio de 2012: Sobre culto à Nossa Senhora e aos Santos na religião Católica).]

 

 

Scott Hahn:

(...)  Alguém me mandou um terço de plástico. Ao ver aquelas contas senti que me enfrentava com o obstáculo mais forte de todos: Maria (os católicos não fazem a menor ideia como é duro para os cristãos bíblicos aceitarem as doutrinas  e devoções marianas).  Mas eram já tantas as doutrinas da Igreja Católica que se tinham mostrado solidamente baseadas na Bíblia, que decidi dar um passo de fé neste  ponto.

Fechei-me no escritório e rezei silenciosamente:  “Senhor, a Igreja Católica demonstrou estar na verdade em noventa e nove por cento dos casos. O único grande obstáculo que ainda subsiste é Maria. Peço-te perdão de antemão se o que vou fazer te ofende...
Maria, se é apenas metade do que a Igreja Católica diz que és, por favor, apresenta a minha petição – que me parece impossível – ao senhor mediante esta oração”.

Rezei então pela primeira vez o terço. Voltei a rezá-lo muitas outras vezes pela mesma intenção ao longo da semana seguinte, mas depois esqueci-me do assunto.

Três meses mais tarde dei-me conta de que desde o dia em que tinha começado a rezar o terço aquela situação aparentemente impossível se tinha alterado completamente. A minha petição tinha sido ouvida! Senti-me muito envergonhado pelo meu esquecimento e ingratidão. Nesse momento agradeci a Deus a Sua misericórdia e voltei a pegar no terço, que não deixei de rezar desde esse dia.

É uma oração poderosa, uma arma incrível, que ressalta o escândalo da Encarnação: o Senhor elegeu uma humilde virgem camponesa e elevou-a a ser aquela que daria a natureza humana sem pecado à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, para que pudesse tornar-se nosso Salvador.

Pouco depois recebi um telefonema de um velho amigo da Universidade. Tinha ouvido dizer que eu andava a coquetear com a “rameira da Babilônia” (assim tratam a Igreja Católica), como ele próprio disse. Não poupou palavras.
-  O que quer dizer que já adoras Maria, não, Scott?
- Ouve, Chris, tu sabes muito bem que os católicos não adoram Maria; veneram-na simplesmente.
-  E qual é a diferença, Scott? Nenhuma das duas coisas tem base bíblica.
Não sabia o que dizer. De terço na mão, invoquei Maria para que me ajudasse. Revigorado,  respondi-lhe:
-  Olha que podes apanhar uma surpresa.
-  Ah, sim? Por que?

Comecei a dizer a primeira coisa que me veio à cabeça:
-  Realmente, é muito simples, Chris. Simplesmente recorda dois princípios bíblicos básicos. Primeiro: sabes que, como homem, Jesus Cristo cumpriu na perfeição a lei de Deus, incluindo o mandamento de honrar pai e mãe. A palavra hebraica para honrar, kabodah, significa literalmente “glorificar”. Ou seja, que Cristo não só honrou o Seu Pai celeste, como também honrou perfeitamente a Sua mãe terrena, Maria, outorgando-lhe a Sua própria glória divina.
O segundo  princípio é ainda mais simples: a imitação de Cristo. Imitamos Cristo não só honrando as nossas próprias mães, como também honrando aqueles que Ele honra, e com o mesmo tipo de honra que Ele lhes outorga.

Seguiu-se uma longa pausa antes que Chris dissesse:
-  Nunca tinha ouvido as  coisas apresentadas desse modo.
Para ser franco, eu também não.
- Chris, isto é apenas um resumo do que os Papas têm dito ao longo dos séculos sobre a devoção a Maria.
O Chris voltou ao ataque:
- Uma coisa são os Papas, mas onde é que isso aparece na Escritura?
Respondi instintivamente.
- Chris, Lucas 1, 48 diz: “De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem aventurada”. É isso que faz o terço, cumprir a Escritura.
Seguiu-se outra longa pausa, antes do Chris mudar rapidamente do tema.

A partir de então senti que a recitação do terço me ajudava a  aprofundar na minha própria compreensão da Bíblia. A chave era, obviamente, a  meditação dos quinze mistérios; mas também me dei conta de que a própria oração confere uma certa perspicácia teológica para considerar todos os mistérios da nossa fé de acordo algo que ultrapassa muito – mas não se opõe – a capacidade racional do intelecto: o que alguns teólogos designaram como “a lógica do amor”.

Descobri pela primeira vez essa “lógica do amor” ao contemplar a Sagrada Família de Nazaré,  modelo de qualquer lar. A Sagrada Família, por sua vez, apontava para a Aliança, e, em última instância, para a própria vida íntima de Deus como eterna Sagrada Família: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esta belíssima e convincente visão começou a encher o meu coração e a minha mente; mas não estava ainda muito seguro de poder identificar a Igreja Católica com a expressão terrena da família da Aliança de Deus. Para chegar até lá precisava de bastante mais oração e estudo. (...)¹

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¹ HAHN Scott e Kimberly. Todos os cominhos vão dar a Roma. Lisboa 2006, Ed. Diel, 6ª ed. p. 88 -91.

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