Para prosseguir com a reflexão sobre o Relato Bíblico da Criação, apresento, abaixo, mais um trecho do livro de Ferdinand Krenzer¹. O autor desenvolve a reflexão explicando com muita clareza o esquema usado para compor o relato bíblico: a obra de seis dias. Também é fundamental entender como surgiu esse relato; o que tem em comum com os outros antigos relatos dos outros povos daquela época e perceber com nitidez o que o diferencia deles. O tema é amplo, mas aqui o autor consegue abordar esses tópicos em poucas frases. É muito bom.
Para acompanhar com facilidade o raciocínio do autor e aproveitar ao máximo as explicações, é aconselhável ler desde o início todas as postagens sobre este assunto (começo no dia 01 de maio de 2012). Quem procura entender mais profundamente a sua fé e esclarecer as dúvidas, aqui terá uma grande ajuda.
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Obra de seis dias
Vamos abrir o Livro de Gênesis e começar pelo primeiro capítulo. Notemos logo uma certa ordem, uma clara divisão do relato. Esse mesmo esquema repete-se seis vezes quase do mesmo jeito: Deus disse... e houve... era bom... Deus chamou..., houve uma tarde e uma manhã – primeiro dia... sexto dia.
Entrando mais profundamente no texto descobrimos, que Deus em três primeiros dias criou três grandes esferas através de separação de diversos elementos: esfera da luz – separando a luz das trevas; esfera do ar – separando as águas que estão sub e sobre o firmamento; esfera da terra – separando a terra do mar. Nos três dias seguintes essas esferas foram preenchidas com os seres vivos. As estrelas foram subordinadas à esfera da luz. O sol foi destinado para governar o dia, e a lua para governar a noite. Peixes e pássaros animaram a esfera do ar. A terceira esfera, a superfície da terra, foi entregue aos animais terrestres e ao homem.
O autor do relato da criação elabora isso de tal maneira que Deus criou o mundo em dois períodos, cada qual de três dias. Como ele chegou a esse número três? Seria coincidência ou realmente o autor do relato da criação orienta-se seguindo algum plano na construção desse relato? Para os israelitas daqueles tempos o mundo constituía-se de três camadas, uma se sobrepondo em cima da outra, de três andares: mundo subterrâneo, terra e céu. Esse esquema espacial - para o autor do relato da criação - tornou-se um esquema cronológico, o esquema de construção do mundo com suas três camadas, tornou-se “planilha de construção” do relato da criação. Duas vezes sucederam-se três seguintes unidades e assim toda obra foi executada durante seis dias.
Como surgiu o relato bíblico de criação?
O israelita pergunta sobre o sofrimento e a infelicidade no mundo. Sua convicção religiosa traz para ele a certeza de que isso não vêm de Deus. Essas coisas são consequência do pecado do homem. Aqui também acrescenta-se mais uma coisa que o israelita crente experimentou através da história: Javé não é – como deuses dos povos vizinhos – algum “EL”, algum deus protetor. Ele é Dono, Soberano de todos os homens, é Criador do mundo. Comparando com Ele, todos os outros deuses são insignificantes. Esse pensamento está presente em todo relato da criação, e emerge do conhecimento religioso, da experiência de Deus, que o povo de Deus tinha. De onde, no entanto, surgem essas impressionantes imaginações, que aparecem no relato bíblico da criação? Elas foram tiradas dos relatos sobre surgimento do mundo, que existiam nos países vizinhos.
1. O relato fenício da criação
Os deuses fenícios
No início do surgimento do mundo, segundo Fenícios, existia caos primário. Constituía-se ele de dois pré-elementos: agitado e tenebroso ar e barroso e escuro caos. Esses pré-elementos eram misturados e penetravam-se mutuamente. Desses pré-elementos, via sexual, foi gerada a divindade Mot. Nela se encontram todas as outras coisas. Essa divindade tem forma de um ovo que está se partindo. Da sua metade superior forma-se o céu, da metade inferior forma-se terra. E depois, do Kolpia - vento, elemento masculino, e da Baau - sua esposa, noite, foi gerado o homem. Os primeiros homens chamavam-se Aion e Protogonos.
2. O relato babilônio da criação
O Enuma Elish - um poema épico da antiga Babilônia sobre o mito da criação
Assim como na versão fenícia da criação do mundo, também na versão babilônico o início do mundo provinha dos pré-elementos masculino e feminino. Esse par formam Mummu-Tiamat (mar salgado) como elemento feminino e Apsu (oceano de água doce) como elemento masculino. Esses dois pré-elementos geraram sobretudo toda geração de deuses. A primeira tábua do relato babilônio da criação assim apresenta pré-início:
Quando em cima o céu ainda não foi chamado,
embaixo a terra não era chamada pelo nome,
e Apsu , seu excelente criador,
Mummu e Tiamat, genitora de tudo,
suas águas levavam juntos –
e ainda não se formaram raízes de caniços, nem arbustos foram vistos,
quando não existia nenhum deus,
nem o seu nome foi pronunciado, e destinos não foram traçados –
foram criados entre eles os deuses.
(Jozef Bromski. Enuma êlis, Warszawa 1925, p.19-21.)
Dos dois pré-elementos, Apsu e Tiamat, surgiram os pares de deuses. Assim como os seus genitores, são eles somente personificações dos elementos do mundo: Lachmu (luz) - Lachamu (escuridão, a mãe da luz), Anszur (universo celeste) – Kiszar (universo terrestre) , Anu (o céu) – Nidymund (terra).
Junto com a criação dos deuses se estabeleceu a paz na terra. Pré-deuses reclamavam da geração mais nova e decidiram destruí-lo.
Resumindo: o relato da criação apresentado na Bíblia, considerando-se a forma, sem dúvida é parentesco com os relatos fenício e babilônico sobre a criação, mas, quanto ao conteúdo, diferencia-se deles completamente.
Poderemos ver isso analisando o texto bíblico do relato da criação. (...)
(KRENZER, F. Taka jest nasza wiara, Paris, Éditions Du Dialogue, 1981, p. 202-204)²
Continua...
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¹ Ferdinand Krenzer é um teólogo católico alemão, pastor, aposentado e escritor.
² Obs.: As reflexões do Ferdinand Krenzer fascinam pelo seu jeito simples e direto, e agradam o leitor, ajudando-o a entender melhor o caminho da fé cristã e compreender os temas mais difíceis desta doutrina.
Os textos publicados neste blog são tomados do livro Taka jest nasza wiara, desse autor; uma edição no idioma polonês, do qual faço uma tradução livre (para o português). O título original: “Morgen wird man wieder Glauben”.
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