Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Livro de Gêneses: Paraíso, pecado do homem, consequências. Como entender?



Como continuação do Relato bíblico de criação, no capítulo 3 do Livro de Gêneses, segue a descrição da tentação e desobediência do ser humano frente a vontade de Deus Criador e, em consequência, do pecado. Esse trecho é conhecido como “Relato bíblico da queda pecaminosa do homem”. Sem dúvida, é um dos textos mais conhecidos da Bíblia, mas também, muitas vezes, muito mal interpretado. Encontramos ainda hoje, e não raras vezes, interpretações ingênuas, construídas a partir da leitura “ao pé de letra”  desse texto literário. Elas não somente deformam a mensagem teológica que o autor sagrado pretende transmitir, mas, também, causam bastante “confusão” para as pessoas que ainda não conseguiram compreender a questão. Sobretudo muitos adolescentes e jovens defrontam-se  com a falta de orientação correta acerca dessas imagens bíblicas, levando-os a se sentirem inseguros na sua fé cristã em fase de formação.

Como e por que foi escrito esse texto bíblico (Gen 3, 1-24), que fala do pecado cometido no paraíso pelos primeiros seres humanos? Como o homem de hoje deve ler esses versículos, para entender bem a palavra de Deus dirigida à humanidade? Por que é tão importante saber um pouco mais sobre a época em que a Bíblia foi escrita e sobre o Povo de Deus, que nas Sagradas Escrituras via as respostas para as perguntas importantes, que o norteavam.  São estas  perguntas que precisamos saber responder.

É importante perceber que a mensagem contida nesses quadros e imagens bíblicos não têm nada de engraçado nem infantil, mas falam sobre as coisas sérias; e falam para todos nós, também nos  dias de hoje.

Para buscar as  respostas para estas e outras perguntas, novamente trago aqui o texto de Ferdinand Krenzer¹. As explicações e reflexões do autor sobre o 3º capítulo do Livro de Gêneses podem ser de grande valor para quem busca entender melhor a mensagem da Bíblia.  Não  deixe de ler.
WCejnog

[Para acompanhar com mais facilidade o raciocínio do autor e aproveitar melhor as explicações, é aconselhável  ler desde o início todas as postagens sobre este assunto (começo no dia 01 de maio de 2012: Relato Bíblico da Criação. Indagações para compreender).]

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Relato sobre a queda pecaminosa do homem. O pecado.

De onde vem a infelicidade? Os autores sagrados perceberam que o pecado acompanha os homens de todos os tempos. Os homens contrariam às leis de Deus. Querem da vida mais e mais alegria e prazer. Nessa ânsia ultrapassam a ordem estabelecida na natureza, e também a ordem humana. Consideram-se, a si mesmos, como a medida de todas as coisas.

Os autores do Livro de Gêneses tiram, então, a seguinte conclusão: desde o início em todos os homens o ato de contrariar a Deus está no pecado. As plantas e os animais estão sujeitos à necessidade de cumprir as leis naturais. Uma desordem pode surgir no mundo somente lá, onde alguma criatura tem esta capacidade de se colocar contra a ordem existente. Essa ordem podia ter sido perturbada só em um caso: através da liberdade pessoal do ser humano. Somente o homem com a sua livre decisão pode colocar-se contra Deus – trazendo infelicidade para si e o mal para toda criação. Esses conhecimentos os autores bíblicos conseguiram não somente graças a inspiração  divina, graças a Revelação, mas também, certamente, graças à própria reflexão.

O gênero literário  do relato da queda do homem no pecado

Os autores bíblicos expressam um sublime pensamento teológico: “O mal que está no mundo   veio da liberdade do homem. As forças demoníacas levaram ele a praticar o mal”.  (Ap 12,9; 2P 2,4). Imaginemos agora que assim o professor falaria para os seus alunos: estas duas afirmações contêm uma profunda verdade, mas por causa da maneira como elas foram apresentadas, seriam pouco nítidas e difíceis para compreender.

Os autores sagrados – sendo eles mesmos israelitas – conheciam as pessoas, para as quais estavam escrevendo, e por isso apresentavam as suas afirmações em forma de conto ou narração, dramatizando-as. Isso o que nós lemos hoje como relato da queda do homem no pecado, não pretende ser nenhum protocolo. Na realidade não aconteceu exatamente assim como foi apresentado. A expressão teológica foi elaborada sob a forma de conto ou de narração épica. Não tem, portanto, sentido perguntar aqui como foi possível a serpente falar. Do mesmo modo sem sentido seria a questão de saber de que  fruta se trata que Adão e Eva comeram, pecando por isso. A descrição da queda pecaminosa do homem – igualmente como o relato da criação – pertence ao gênero literário do conto épico, ou da narração épica, ou é simplesmente um conto popular.

Uma curta síntese do Relato bíblico da queda pecaminosa do homem:

Deus forma o homem do pó da terra e sopra nele o sopro da vida, e o homem se tornou  ser vivo. Pôs  então o homem no jardim em Éden, onde cresce a árvore do conhecimento do bem e do mal, e a árvore da vida. O homem recebe a ordem: ”Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas  da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque no dia em que o fizeres serás condenado a morrer”. (Gen 2,16-17).

O homem é solitário. Deus,  então,  da costela de Adão forma a Eva – uma auxiliar. A serpente esconde-se na árvore do conhecimento do bem e do mal, e seduz Eva, convidando-a a comer o fruto. A promessa da serpente:  ”De modo algum morrereis. É que Deus sabe: no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal”. (Gen 3,4-5). Eva come o fruto, e dá também ao seu marido. Os dois descobrem então que estão nus. Ficam sujeitos à indagação do Criador, que condena a serpente, o homem e a mulher, e depois sucede a expulsão do paraíso.


Imagens míticas como a fonte de dados para o relato da queda pecaminosa do homem

         Enuma Elis

Por que o autor do relato apresenta a queda do homem, o pecado, a desobediência do homem diante de Deus exatamente por meio desse  quadro? Por que não criou alguma outra explicação? Por que a serpente, a árvore, o jardim  têm aqui um papel muito particular? A resposta para estas perguntas só pode ser esta: Para expressar seus pensamentos teológicos o autor usa os antigos quadros míticos, que existiam nas religiões dos povos vizinhos.

Entretanto, ele não fez isso simplesmente reapresentando os mitos. Ele não toma os mitos da Babilônia e da Fenícia na totalidade da sua apresentação e do seu conteúdo. Ele, antes, pratica uma apuração desses quadros, isto é, toma somente a imagem, a forma que existia no mito, o recipiente, em que põe um novo conteúdo teológico. Frequentemente,  ele apenas empresta esses quadros, justamente para mostrar que as suas afirmações são totalmente contrárias.

Sem dúvida, o autor sofreu a influência do velho relato babilônico “Enuma elis”.  Nesse relato, como é dada a resposta para a pergunta: de onde veio o mal?  É um dos deuses que cometeu o delito trazendo, deste jeito, a infelicidade e a maldição para todo um grupo dos deuses. Esses querem, então, se livrar da maldição. De que maneira? Eles pegam o malfeitor,  amarram-no e o assassinam. Do seu sangue misturado com a terra (barro) fazem o homem. A culpa e o mal passam para o homem junto com o sangue pecador do malfeitor.

O que nos diz esse relato? De onde veio o mal? O mito babilônico dá a resposta clara: o mal veio dos deuses. O bem e o mal foram criados junto com o homem.

O autor bíblico coloca-se contra esta concepção, apesar de ter tomado a imagem  do mito babilônico. Também ele diz que é o próprio Deus que fez o homem.  No entanto expressa a ideia exatamente oposta: o homem é bom!  Deus o criou bom.  Deus o fez da terra boa, fértil, cultivável – chamada em hebraico “adamah”. Nas veias do primeiro homem não corre nenhum sangue de nenhum deus transgressor. Deus não implantou o mal no homem. Esse mal apareceu somente depois.  O autor bíblico rejeita então a resposta que está no mito babilônico, apesar de assumir o seu jeito de apresentar.

O mal procede do homem. O homem se deixou provocar, de fora, para o mal. Qual é então esta força má que o seduziu? Como o autor poderia apresentá-la? No mundo que o cercava ele encontrou a imagem, que incorporava – na sua visão – o mal e a maldição: era a serpente.

A serpente – imagem do mal


Israel conquistou Canaã e ali se estabeleceu. Entre a população primitiva dessa região e o povo de Israel existia uma certa separação.  Os habitantes do Canaã eram pagãos, que possuíam um culto elaborado aos deuses. Esse culto teve uma influência  sobre o povo israelita. Para os Cananeus  serpente era um “animal divino”, sagrado,  a qual apresentavam na posição vertical, e que  dava a vida e a fecundidade.
A serpente simbolizava o paganismo e os cultos com ele associados.    O povo de Israel  constantemente sofria a influência  desses cultos pagãos. Atrás da serpente, como sinal da religião pagã do Canaã, existia uma força demoníaca do mal. O povo israelita experimentou muitas vezes na sua história, na qual sempre que inclinava-se ao culto pagão recebia  a infelicidade e miséria. Essa experiência foi então estendida mais para trás, até o tempo do paraíso. Também lá os homens viraram as costas para Deus e permitiram que o mal os seduzisse. Este mal – como no caso dos israelitas no Canaã – chegou a eles em forma de serpente. Esse quadro era ao mesmo tempo um aviso para o povo:  Quem se inclina ao culto de deuses, este inclina-se para a serpente, e assim  caminha na direção da perdição, como os nossos pré-genitores no paraíso.

  A imagem da árvore



Os homens querem ter algumas coisas da vida: o poder, dinheiro, conforto.   O saber é força – diz o provérbio. O coração do homem, com seus desejos e saudades, sempre é o mesmo. Os homens sempre desejavam aumentar o nível de vida, ter mais poder.

No Oriente a árvore é o símbolo da vida e da fecundidade: onde cresce a árvore, ali tem água, sombra; ali é possível se desenvolver. O homem então se aproxima da árvore. Roubou-lhe o conhecimento do bem e do mal. O conhecimento de tudo significa aumentar o poder, é levantar o nível de vida. O homem quer conseguir isso com as suas próprias forças. Quer ser igual Deus. Quer dominar assim como Deus, baseando-se na própria força e na plenitude da própria vida. O pecado do homem consiste em ignorar Deus: não preciso de Ti, sozinho sou capaz moldar minha vida, sozinho posso encontrar e garantir para mim a felicidade. Esse poder deve garantir ao homem – a árvore do conhecimento do bem e do mal. Assim prometeu a serpente.

A mulher e a serpente

É preciso esclarecer um outro detalhe do relato da queda do homem no pecado.  Por que o autor permite que exatamente a mulher e não o homem seja tentada pela serpente? Isso é somente um acaso ou é de propósito?  A  mulher, pela sua natureza, é sempre mais religiosa do que o homem. Assim as mulheres israelenses  eram mais sujeitas a ser influenciadas pelo culto cananeu de serpente e se deixar seduzir por ele de que os homens. Por isso também o aviso dirigido às mulheres: “cuidado com a serpente! Já no paraíso a mulher se deixou a seduzir por ela!”   (...)

(KRENZER, F. Taka jest nasza wiara, Paris,  Éditions Du Dialogue, 1981, p. 208-211)²

Continua...

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¹  Ferdinand Krenzer  é um teólogo católico alemão, pastor, aposentado e escritor.
²Obs.: As reflexões do Ferdinand Krenzer fascinam pelo seu jeito simples e direto, e agradam o leitor, ajudando-o a entender melhor o caminho da fé cristã e compreender os temas mais difíceis desta doutrina.
Os textos publicados neste blog são tomados do livro Taka jest nasza wiara, desse autor; uma edição no idioma polonês, do qual faço uma tradução livre (para o português).  O título original: “Morgen wird man wieder Glauben”.


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