Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sábado, 5 de maio de 2012

Relato Bíblico da Criação. O que realmente a Bíblia quer nos dizer?



Continua a reflexão sobre o Relato Bíblico de Criação. Seguindo as explicações que o texto de Ferdinand Krenzer¹ traz, com certeza muitas dúvidas ficarão esclarecidas. A Bíblia, na verdade, quer transmitir as verdades de caráter teológico, e por isso usa muitos meios literários para que essas mensagens possam ser compreendidas pelo homem. É importante entendermos o que realmente o autor sagrado quis dizer ao escrever esses textos.  A Bíblia não fala do ponto de vista das Ciências; não é este o seu propósito. O que encontramos na Bíblia é a possibilidade de conhecermos a verdade revelada por Deus. Ela nos revela as mensagens que Deus dirige à humanidade.

Ao lermos o Relato Bíblico da Criação, justamente são essas verdades teológicas que têm importância. Isto deve ficar muito claro.

Para acompanhar com mais facilidade o raciocínio do autor e aproveitar melhor as explicações, é aconselhável  ler desde o início todas as postagens sobre este assunto (começo no dia 01 de maio de 2012).

O texto abaixo é muito bom e de fácil leitura. Não  deixe de ler.
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No princípio, Deus criou o céu e a terra.” (Gen 1,1)

O relato bíblico da criação começa com a descrição do tempo: “No início”.  Com isso pretende-se estabelecer um ponto cronológico. Se o israelita avançava mentalmente cada vez mais para trás, aqui parou pensando que alcançou algum limite.  E esse limite descreve como  “No início”.  Esse é pré-início absoluto. Além dele não pode ter mais nada. Desta maneira se estabelece um ponto cronológico da criação.  E com isso exatamente o relato da criação se diferencia da lenda. A lenda começa com as palavras: “Era uma vez...” – em algum lugar do passado, indefinido...

É justamente neste ponto Deus opera a obra da criação. Deus já existe. Ele ultrapassa esses limites.  Comparemos o relato bíblico da criação  com aqueles, transmitidos pelos fenícios ou babilônios. Lá, no início encontrava-se caos primário, forças impessoais do mundo. É desse caos que vão surgindo deuses.  Eles vão se formando como resultado das forças opostas que se encontram e enfrentam. São resultado das relações  entre essas forças.  Forma-se  o cenário do mundo dos deuses.

O relato bíblico  apresenta  os acontecimentos de uma forma totalmente diferente. Deus  sozinho  impera sobre tudo.  Deus não está se formando,   Ele  é: “Antes que os montes tivessem nascido e fossem gerados a terra e o mundo, desde sempre e para sempre tu és Deus.”(Sl 90,2).

Deus existe. Ele  estabelece o início para o mundo e para o tempo. “No início Deus criou o céu  e a terra”. Criar, em hebráico, é  bara. Criar delega-se somente a Deus.  Isso supõe onipotência divina. Quando falamos que um artista cria, imaginamos que ele transforma  a matéria (madeira, ferro) ou o som, conforme as suas ideias. A obra surge num penoso esforço, no suor da testa, num trabalho com martelo. A criação divina é diferente. Deus forma suas criaturas sem esforço. Não precisa trabalhar a resistente matéria. Não precisa de nenhum material. Deus cria suas criaturas do nada. No início de cada dia da criação fala-se: “E Deus disse”, e no final da descrição de cada dia o autor tem que afirmar: “E assim se fez”.

Deus criou o céu e terra. Faltou a palavra ao israelita para definir a totalidade da criação. Ele, o israelita, não tinha concepção de cosmos ou de universo.  Serviu-se, então, das  ideias do céu e da terra. Queria dizer com isso: Deus criou  tudo, o que é acima do homem, e  tudo, o que é abaixo dele. Recebemos aqui a principal constatação do relato da criação. As frases que vêm depois dele somente desenvolvem ainda isso, o que consta no sentido dessa  afirmação: ”No início Deus criou o céu e a terra”.


 A criação da luz


“Deus disse: ‘ Haja luz!’  e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz  ‘dia’ e às trevas ‘ noite’.   Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.” (Gen 1,3-5).
Chama aqui a atenção o fato que Deus  primeiro  criou a luz, ou separou a luz das trevas, como diz o versículo 4, antes mesmo de criar as fontes da luz, como o sol, a lua e as estrelas.  Inclusive, até a Idade Média pensava-se da luz que ela fosse uma substância delicada, que simplesmente existe e penetra tudo.  Não está claro também no dia em que não vemos o sol? As aparências permitiam então a tese que a luz podia existir sem a fonte da luz.

A separação da luz das trevas é o primeiro passo para  começar colocar ordem. A luz e as trevas receberam o seu lugar. Dia e noite sucedem –se de acordo com um plano detalhadamente estabelecido. Essa ordem vai durar para sempre.

A separação das águas

“Deus disse: ‘Haja um firmamento no meio das águas’ e assim se fez. Deus fez o firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento, e Deus chamou ao firmamento ‘céu’. Houve uma tarde e uma manhã: segundo dia". (Gen 1,6-8).

Lembremos qual era a concepção do mundo naqueles tempos. O firmamento celeste separava as águas que estão acima do firmamento das águas que estão embaixo dele. Deus levantou esse firmamento  no segundo dia da criação. Como uma cúpula feita de pedra ou de metal, firmamento serve para segurar o oceano celeste. Debaixo dele  surge “rakkia” – espaço vazio, limitado na parte baixa com o oceano e a terra firme. O próprio Deus é quem levanta esse firmamento.

A separação das águas da terra

“Deus disse: ‘Que as águas que estão  sob o céu se reúnam numa só massa e que apareça o continente’ e assim se fez. Deus chamou ao continente ‘terra’  e à massa das águas ‘mares’, e Deus viu que isso era bom.”  (...)     (Gên 1,9-10).

A superfície da terra está sendo coberta pela água. Também aqui Deus estabelece a ordem. Mandou  que as águas se reunissem num lugar só: no mar. E assim a terra seca apareceu sozinha. Surgiram grandes áreas secas e Deus podia começar a organizá-las.

O mundo das plantas

“Deus viu que isso era bom, disse: ‘Que a terra verdeje de verdura:  ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem sobre a terra, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente’ e assim se fez.” (Gen 1,10-11).

Não é esplêndido isso que Deus, após separar no terceiro dia  o mar do continente,  logo se preocupa em organizar a terra?  Ela já é preparada para ser a base para as plantas. Deus dirige-se a ela falando. A terra deve dar ervas e árvores de todos os tipos. As plantas são ligadas tão fortemente à terra, que quase constituem parte dela. Elas não mudam mais do lugar. São ancoradas dentro da terra  para sempre, enraizadas nela.

Os corpos celestes

“Deus disse: ‘Que haja luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite; que eles sirvam de sinais, tanto para as festas quanto para os dias e os anos; que sejam luzeiros no firmamento do céu para iluminar a terra’ e assim se fez.” (Gen 1,14-15).

Israel  vivia no meio pagão. Os povos de grandes culturas, babilônios e egípcios, adoravam as estrelas como deuses. Diante disso, o autor do relato bíblico precisa se esforçar muito, para mostrar que as estrelas não são deuses. Elas são criações iguais  às outras que existem no mundo. Mostra-se a sua finalidade: foram criadas para serem luzeiros, para iluminar – mas não são deuses. Não recebem nem nome! Fala-se delas como grande luzeiro, pequeno luzeiro e as estrelas (1,16). Não podem, no entanto, ser deuses. Eles permanecem servindo a nossa terra. Servem de sinais para indicar “os dias e os  anos’ e para ‘iluminar a terra’. Deste jeito foi retirada das estrelas a luz divina. A única impressão que ainda fica, e que lembra  as antigas divindades, é a expressão: ‘para governarem o dia e  noite’ (1,18).

“Deus disse: ‘Fervilhem as águas um fervilhar de seres vivos e que  as aves voem acima da terra, diante do firmamento do céu’  e assim se fez. Deus criou  as grandes serpentes do mar e todos os seres vivos que rastejam e que fervilham nas águas segundo sua espécie, e as aves aladas segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom.” (Gen 1,20-21).

Criação de animais

Somente no sexto dia a terra ficou repleta de seres vivos, que apareceram na sua superfície: gado, répteis, animais silvestres, etc. Deus abençoou a todos eles com as palavras: “sede  fecundos, multiplicai-vos, enchei a água dos mares, e que as aves se multipliquem sobre a terra”. (1,22).

Para nós é uma coisa óbvia que todo ser vivo multiplica-se de algum jeito. Nada especial. Mas para os povos ligados à natureza essa questão provocava fascinação. O homem ficava encantado quando via surgir de uma pequena semente uma árvore. Para ele  era um “milagre”, quando da união de dois animais nascia nova vida. Podiam explicar isso pensando que a própria força fecunda era algo divino, ou era mesmo deus. Assim os povos, que cercavam o povo de Israel,  adoravam a fecundidade como se fosse deus.
O autor do relato bíblico da criação não aceita atribuir o status de divindade  para a força da fecundidade.  Afirma ele categoricamente: é  o próprio Deus Javé  que  deu aos animais e às plantas essa maravilhosa faculdade de se multiplicar. Tudo isso que dia-a-dia acontece a nossa volta e faz surgir novas vidas, é somente realização da ordem dada por Deus. (...)

(KRENZER, F. Taka jest nasza wiara, Paris,  Éditions Du Dialogue, 204-207)²
Continua...
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¹  Ferdinand Krenzer  é um teólogo católico alemão, pastor, aposentado e escritor.
² Obs.: As reflexões do Ferdinand Krenzer fascinam pelo seu jeito simples e direto, e agradam o leitor, ajudando-o a entender melhor o caminho da fé cristã e compreender os temas mais difíceis desta doutrina.
Os textos publicados neste blog são tomados do livro Taka jest nasza wiara, desse autor; uma edição no idioma polonês, do qual faço uma tradução livre (para o português).  O título original: “Morgen wird man wieder Glauben”.

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